sábado, 10 de agosto de 2024

AO MEU PAI

Recordo-o ainda. 
Ele saiu, em um dia de sol, para viajar e nunca mais retornou para nossos olhos físicos. 
Quando o trouxeram, era somente um corpo dentro de um caixão.
Lacrado, ademais, tendo em vista os dias passados desde a sua morte.
Meu pai era um homem alegre. 
Gostava de música, de dança, de estar com amigos, conversar, contar causos. 
E ele os tinha às centenas. 
Toda vez que retornava de viagem, os filhos, éramos três os menores, nos reuníamos em torno da mesa, na cozinha ampla, para ouvi-lo. 
Ele contava causos de forma pausada. 
Ia descrevendo as cenas, uma a uma, reproduzia os diálogos. 
Por vezes, meu irmão e eu, mais impacientes, o interrompíamos: 
-E daí, o que aconteceu? Conta logo. 
Ele sorria mostrando seus dentes curtos, bem moldados. 
E continuava com a mesma calma, até o desfecho da história. 
Tê-lo em casa era muito bom e significava que um de nós iria dormir na cama dos pais. 
Por vezes, nossa mãe nos dizia que desejava ficar a sós com ele.
Mas, mal despertava a madrugada, quem primeiro acordasse, corria para o quarto e se enfiava entre os dois. 
Ele acordava e brincava conosco, fazendo cócegas, jogando travesseiro. 
Era uma festa! 
Meu pai! 
Quantas saudades! 
Ele não era letrado. 
Desde bem jovem conhecera o trabalho duro. 
Constituíra família cedo e os cinco filhos lhe exigiam que desse o máximo de si. 
Insistia que precisávamos estudar. 
E estudar muito. 
A duras penas, pagou para cada um de nós o ensino fundamental, em escola particular. 
Escolheu a melhor escola da cidade. 
Pagou cursos de piano, acordeon, violino para minha irmã, que cedo entrou para o mundo da música. 
Meu irmão e eu não chegamos a tanto, mas fomos brindados com o que ele tinha de mais precioso. 
Ensinou-nos a honestidade, ensinou-nos que melhor era ser enganado do que enganar. 
Viveu no tempo em que a palavra de um homem era documento mais válido do que nota promissória, duplicata ou qualquer título financeiro. 
Legou-nos um nome honrado e disse-nos que o dignificássemos, ao longo de nossa vida. 
Olhava para mim, com orgulho e dizia: 
-Um dia você será uma pessoa muito importante! 
Hoje, quando viajo pelas estradas, muitas delas velhas conhecidas de meu pai, eu o recordo. 
Será que ele sabia que um dia eu seria alguém que viajaria, esclarecendo pessoas, ofertando cursos? 
* * * 
Ele não conheceu todos os netos. 
Partiu para a Espiritualidade, em anos jovens, deixando-nos um grande silêncio n’alma. 
Em homenagem a ele, em nossos aniversários, nas festas de Natal e Ano Novo, nos encontramos. 
Rimos, ouvimos música, dançamos. 
Porque ele nos ensinou a sermos assim. 
A vida é dura, mas nós a podemos adoçar, se quisermos. – É o que dizia. 
Meu pai, meu mestre, onde esteja, Deus o guarde. 
Especialmente nesta época em que os pais são recordados pelos filhos, que os brindam com presentes. 
Meus irmãos e eu o brindamos com a prece da nossa gratidão: obrigado por nos ter dado a vida. 
Obrigado por nos ter ensinado a bem vivê-la. 
Redação do Momento Espírita. Disponível no livro Momento Espírita v. 9 e no CD Momento Espírita v. 16, ed. FEP. 
Em 9.8.2024

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