quinta-feira, 24 de março de 2022

ARREPENDIMENTO

Arrepender-se, dizem, é abrir-se para o bem. 
Trata-se de uma ação reparadora. 
Quando nos arrependemos, pedimos desculpas e perdão do mal praticado, de forma que permaneçam os resultados felizes. 
É preciso coragem para identificar o nosso erro. 
Nobreza de caráter o tentar repará-lo. 
Existem, no entanto, algumas situações em que tomamos certas atitudes que, por mais desejemos, não as temos como reparar. 
Como reparar a negação de um abraço, o diálogo? 
Como reparar aquele momento em que nosso irmão esperava nossa mão, amparando-o, e deixamos de oferecê-la? 
Momentos em que, por sofrimento próprio ou por revolta, decidimos não confortá-lo? 
Essas são aquelas circunstâncias difíceis de serem sanadas. 
Não há como voltar para aquele minuto, reviver aquela circunstância. 
Uma adolescente judia, quando foi, de forma agressiva, retirada de sua casa com a família e acomodada em uma carroça, com bancos de madeira, recorda da tristeza de seu pai. Lembra que ele, saindo da casa, ficou parado, olhando para a porta. Parecia confuso, como um viajante que procura chaves nos bolsos na escuridão da noite. O soldado o insultou, escancarou a porta com um chute e gritou para que ele aproveitasse a festa para seus olhos. Ele olhou para o espaço escuro. Parecia atordoado, como se não conseguisse decidir se o soldado estava sendo gentil ou indelicado. Depois, veio em direção à carroça para se juntar aos demais. A menina ficou dividida entre o desejo de proteger seus pais e a tristeza por eles não a poderem proteger. Sentada ao lado da irmã mais velha, ela a viu assustada. Magda era quem sempre desafiava a autoridade, adorava provocar os outros. Agora parecia apavorada porque aqueles homens empunhavam armas e a violência estava presente. Anos depois, lembrando desse triste dia, diria a menina: 
-Em minha lista de arrependimentos, este se destaca: não segurei a mão de minha irmã. 
O que viria em seguida, seriam meses de medo, fome, frio. Ela e a irmã sobreviveram aos campos de concentração. Sua mãe foi mandada para o forno crematório no primeiro dia, logo na chegada. Foi-lhe dito que, em breve, ela veria sua mãe. Naquela noite, quando perguntou quando a poderia ver, uma prisioneira lhe apontou a fumaça subindo de uma das chaminés à distância. 
-Sua mãe está queimando lá dentro. É melhor você começar a falar dela no passado. 
Estavam sós, as duas irmãs. Mais de uma vez será Magda quem a salvará. Quando estava tão fraca que não conseguia se mover de um local a outro, nas transferências de campos, ela a carregou. Quando foram colocadas em filas desordenadas para o corte de cabelo, a retirada das roupas, o furto das suas identidades, Magda não saiu do seu lado. Então, quando chegou a libertação, quando acabou o sofrimento para se iniciar a luta pelo reinício de uma nova vida, ela amargaria, repetidas vezes, aquele gesto tolo: não ter segurado a mão de sua irmã. Aquele era um momento de desespero, em que tudo lhes estava sendo retirado. 
Por que não atendera ao ímpeto do afeto? 
Pensemos a respeito e, em circunstância alguma, detenhamos o gesto de carinho. 
Redação do Momento Espírita, com fatos colhidos no cap. 2, do livro A bailarina de Auschwitz, de Edith Eva Eger, ed. Sextante. 
Em 24.3.2022.

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