segunda-feira, 1 de março de 2021

A FLECHA QUE VOA, O ARCO QUE PERMANECE

Li, certa vez, um ditado:
"Ao pé do farol não há luz." 
Mas o que dizer quando nos referimos não a uma proximidade geográfica, mas sim emocional, como a relação entre pais e filhos? 
Somente hoje, distante dos meus pais, enxergo o suficiente para ver, com relativa nitidez, a luz de seu farol. Compreendo a liberdade acolhedora de seu amor que, à época, eu percebia como sufocante e limitador. Foi preciso jogar-me ao mar, navegar nas águas e intempéries daquilo a que chamamos vida para vislumbrar, não somente o que me tornei, mas também para reconhecer a segurança do cais do qual parti. Como todo jovem, clamava por liberdade. Aos pés do farol, contemplava deslumbrado o mar que à minha frente se expandia. Assim, tão cheio de possibilidades. E de perigos. Perigos dos quais, por tantas vezes, fui alertado por meus pais que, com o farol de seu amor, iluminavam-me o caminho e a melhor rota a seguir. Mas eu, que estava aos pés do farol, enxergava apenas a beleza do horizonte e meus olhos, teimosos e orgulhosos, não percebiam a dureza do percurso. Hoje eu sou pai... 
* * * 
Meus filhos cresceram, amadureceram, ganharam mais e maiores responsabilidades e percebo que, como muitos pais, continuo a tratá-los como se tivessem a mesma idade, a mesma mentalidade, as mesmas fragilidades. Agora compreendo que, para aprender a navegar, é necessário desafiar as tormentas e as borrascas do mar. É chegada a hora de aceitar um dos mais difíceis e inevitáveis desafios da vida: se nossos filhos estão ao pé do farol, eles só poderão ver a luz se adentrarem ao mar. 
Fala-nos o poeta Khalil Gibran: 
KALIL GIBRAN
-Vossos filhos não são vossos filhos. São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma. Vêm através de vós, mas não de vós. E embora vivam convosco, não vos pertencem. Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos, porque eles têm seus próprios pensamentos. Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas; pois suas almas moram na mansão do amanhã, que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho. Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós, porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados. Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas. O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe. Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria: pois assim como ele ama a flecha que voa, ama também o arco que permanece estável. 
* * * 
Felizes aqueles que compreendem a dinâmica da vida. 
Filhos, contemplem a vida em suas infinitas possibilidades, porém o façam através da luz que, zelosos, seus pais lançam sobre ela, a fim de protegê-los dos percalços do caminho. 
Pais, tomem seus rebentos pelas mãos com o intuito de conduzi-los.
Porém, lembrem-se de que guiar, indicar a direção a seguir, não é sinônimo de caminhar pelo outro. 
Pensemos nisso. 
Redação do Momento Espírita, com base no cap. Os filhos, do livro O profeta, de Khalil Gibran, ed. L&PM Pocket. 
Em 6.3.2015. 

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