quarta-feira, 29 de abril de 2020

A EXATA CONJUGAÇÃO DO VERBO

Eles permaneceram casados por sessenta e dois anos. Um casamento complicado. Ele era alcoólatra. Gostava de cantar e sempre tinha uma brincadeira, na ponta da língua, que divertia os amigos e conhecidos. Era uma pessoa maravilhosa para todos, menos para a esposa. Batia nela, até a filha de oito anos começar a se impor e impedir as agressões. Um dia, ele vendeu a casa onde moravam. Sumiu por uns tempos e, quando retornou, sem nenhum centavo, avisou que a casa deveria ser desocupada em vinte e quatro horas porque o novo proprietário viria tomar posse. A esposa passou frio porque quase não tinha agasalho. Passou fome pois deixava de comer para que os filhos se alimentassem. Sofreu traições porque ele, homem bonito, se permitia aventuras. Ameaçava-a de morte e dormia com um punhal embaixo do travesseiro. Com tanto sofrimento, natural que, no transcorrer dos anos, o tempo a abraçasse com alguns problemas como insônia e depressão. Os que a conheciam a amavam porque ela ria, brincava, semeando ao seu redor a alegria, que ela mesma não podia fruir. Portadora de uma grande fé, espalhava o bem para as pessoas, fossem crianças ou adultos. Perante os doentes, ela ia passando a mão, com delicadeza, na cabeça, nas mãos, enquanto orava com fervor. Logo, eles afirmavam se sentir bem. Certa feita, indo a uma consulta e narrando seu drama conjugal, a médica indagou: 
- Qual seu sentimento para com seu marido? A senhora o ama? 
A filha, que a acompanhava, teve certeza de que ela responderia negativamente. A resposta que veio, depois de pensar uns segundos, foi surpreendente: 
- Como homem, não o amo. Como filho necessitado, sim! 
A filha chegou às lágrimas ao reconhecer, uma vez mais, a grandeza daquela mulher. Certo dia, aquele homem que gozara de tantos prazeres, teve um acidente vascular cerebral e foi hospitalizado. Os filhos se revezaram à sua cabeceira, no seu atendimento. Mas a senhora também foi ao hospital. Ele estava entubado, incomunicável. Somente os aparelhos bipando, de forma regular, atestavam a sua estabilidade orgânica. Ela chegou e tomou a mão dele entre as suas. E começou a falar. Os aparelhos, de imediato, registraram a alteração dos batimentos cardíacos, que dispararam para mais de cem por minuto, a respiração acelerou. Tudo isso dizia da consciência da presença dela ali. Ela falou das suas limitações como esposa, das suas dificuldades. E lhe pediu perdão por tudo e de tudo. Depois, disse que ele poderia partir em paz porque ela o perdoava. Interessante que ela não enumerou nenhuma das deficiências dele. Ao contrário, falou somente das próprias dificuldades. Naturalmente não enalteceu virtudes que ele não possuía, mas de nada o acusou. Depois, o convidou a orar com ela. Quando concluiu suas longas preces, deu-lhe um beijo na testa e desejou que ele ficasse com Deus. Ela saiu. Poucas horas depois, ele partiu. 
* * * 
Pessoas assim existem muitas, neste imenso mundo de Deus. Anônimas. Deixam lições inesquecíveis aos filhos, aos familiares, aos amigos, a quem goza a ventura de sua convivência. Pessoas assim sabem, com certeza absoluta, a exata conjugação do verbo amar. 
Redação do Momento Espírita, com base em fatos. 
Em 5.11.2014.

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