sábado, 29 de setembro de 2018

DRAMA ÍNTIMO

O ônibus, naquela manhã, estava superlotado. O rapaz se acostumara aos empurrões, apertões, pois aquela era sua condução de todos os dias. Um homem alto, entroncado, foi se aproximando dele e comprimindo-o contra as demais pessoas. Desconfortável em sua situação, o jovem tentou se acomodar melhor, quando sentiu o peso de um pé muito grande sobre o seu pé direito. No momento, não sabia o que doía mais: se o pisão ou o fato de, naquela manhã, ele estar calçando sapatos novos. Diga-se, de passagem, ainda não pagos, pois os adquirira à prestação, na véspera. 
-Senhor, disse ele, seria possível tirar o seu pé de cima do meu? 
O homem destilou raiva pelos olhos e, pisando mais forte, perguntou: 
-E daí? Quer encarar? Vai querer briga? 
O jovem contraiu o cenho, mordeu os lábios e não disse mais nada. Não era uma criatura excepcional, mas já aprendera, apesar dos poucos anos vividos, que revidar não é uma boa opção. Por estar próximo do seu destino, puxou o pé, deu o sinal e desceu do ônibus, no ponto seguinte. O sapato estava estragado, rasgado em sua parte superior. Ele ficou bastante triste. 
Dias depois, no templo religioso onde se entregava ao trabalho voluntário, viu adentrar o homem do ônibus. Estava com o rosto carregado, contraído. 
-O que será que ele quer?-Pensou o rapaz- Nem briguei com ele. 
O agressor olhou ao redor e, vendo-o na recepção, se aproximou. 
-Moço, quem pode me ajudar? Estou desesperado. 
E, como se desejasse compartilhar com outra pessoa a dor que o atormentava, foi narrando, aos atropelos, a sua tragédia. Sua mulher, desde alguns meses, enlouquecera. Operário, ele saía cedo para o trabalho e a amarrava na cama. Em outro quarto, ele trancava os quatro filhos pequenos. Já a internara mais de uma vez em hospital para doentes mentais. Quando retornava, à noite, entre os gritos e agressões da esposa demente, ele precisava alimentá-la, banhá-la. Atender aos filhos. Preparar a marmita para o dia seguinte. Estava tão desesperado, confessou, que provocava as pessoas na rua, a fim de que alguém, enfurecendo-se o matasse. Assim, ele acabaria com o seu calvário. Então, o rapaz entendeu. Aquele homem rude era apenas um homem muito sofrido. Ele tinha um problema tão grande, que se tornara agressivo, a fim de se ver livre da aflição. 
 * * * 
Nunca julguemos pelas aparências. Se alguém é grosseiro para conosco, não nos ofendamos com essa atitude. Pode ser que a pessoa tenha um motivo oculto. Assim, a reação violenta das pessoas é, muitas vezes, resultante da violência da vida, de problemas que aturdem o ser humano. Saibamos compreender, ajudar e passar adiante. Coloquemos, tanto quanto possível, o algodão da calma nessas feridas abertas que fazem os seus portadores quase adentrarem pelos arraiais da loucura. 
Redação do Momento Espírita, com base no cap. 29, do livro Semeador de estrelas, de Suely Caldas Schubert, ed. Leal. 
Em 21.5.2013.

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