O expediente de trabalho terminara e alguns colegas permaneciam, no local, em conversa amena.
Entre um assunto e outro, um deles comentou a respeito da nova colega.
Dizia que a imaginava um tanto esnobe, pretensiosa mesmo. Porém, se surpreendeu por constatar que, ao contrário do seu conceito pre-estabelecido, ela se mostrara simples, cordial, amável mesmo.
Os demais acrescentaram comentários, no mesmo sentido, até que foram interrompidos por outro colega.
Eu conheço Sílvia, há bastante tempo, comentou, desde quando éramos adolescentes. Ela veio de uma família abastada. Nunca lhe faltou nada. Teve educação primorosa, frequentando os melhores colégios.
Seu pai, muito amoroso, era também um grande professor da Universidade local, respeitado, elegante, um verdadeiro fidalgo.
Foi nesse meio que ela cresceu e sempre se mostrou envaidecida, não somente pelos seus recursos financeiros, também pela família estruturada, um pai amável, o nome de família. Enfim, tudo isso lhe constituía fonte de presunção.
Porém, a vida não lhe foi tão tranquila, na sequência dos anos.
Eram três irmãos, sendo ela a caçula e bem mais nova.
Sua irmã, a primogênita, tinha sérios problemas emocionais. Engravidou cedo, e logo se mostrou totalmente incapaz de criar o filho.
Em razão disso Sílvia assumiu o sobrinho, tomando para si todas as responsabilidades naturais da maternidade.
Os anos se passaram. Seu irmão mais velho, antes dos cinquenta anos, sofreu um grave Acidente Vascular Cerebral, permanecendo em coma por quatro anos.
Sua esposa, vendo a doença que se estendia, ao longo dos meses, o abandonou.
Os pais precisaram montar todo um aparato, uma verdadeira unidade de terapia intensiva, em casa, a fim de atendê-lo. A fortuna foi sendo dilapidada, pelo custear de tão caro tratamento.
Com a morte do filho e da filha, que sucumbiu, vitimada por um câncer, o pai, alquebrado pelas dores, foi definhando até a morte, como quem houvera desistido de viver.
Dessa forma, Sílvia, de uma família abastada e bem estruturada, viu-se só, responsável pela mãe, às portas da velhice, exigindo-lhe cuidados.
Reencontrei-a há pouco, e percebi que daquela jovem vaidosa, nada permaneceu.
Naturalmente conversamos a respeito da vida, dos anos, e disse-lhe o quanto ficava condoído por tantas dores pelas quais ela houvera passado.
Porém, ao invés de lamúrias, ela me disse:
-“Agradeço todas as dores que a vida me ofertou. Elas me deixaram feridas, cicatrizes que, aos poucos, vão se curando.
Mas foram elas quem me ensinaram as melhores virtudes que hoje carrego na alma. As dores me ensinaram a paciência para entender que o tempo de Deus é mais sábio que o tempo de nossa ansiedade.
Ensinaram-me humildade, para perceber que tudo na vida é passageiro, e nada nos pertence.
E, finalmente, me ensinaram a fé, para compreender que tudo está nas mãos de Deus. É Ele quem nos guia pelos melhores caminhos.”
Quando concluiu sua narrativa, um silêncio convidando à reflexão se fez entre os colegas.
Uma reflexão que levava a ponderar como a dor ensina, enobrece, dignifica, quando a sabemos receber com resignação.
Em síntese, quando sabemos dela extrair o melhor, ou seja, quando sabemos bem sofrer.
Redação do Momento Espírita,
baseado em fato.
Em 25.5.2017.
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