Khalil Gibran |
Apontando para uma encosta, fez com que ele olhasse para trás.
Viu, então, uma estranha cidade, da qual se erguia uma fumaça escura de muitas tonalidades, movendo-se vagarosamente como fantasmas.
Uma névoa fina quase escondia a cidade de seu olhar.
Após um instante de silêncio, ele perguntou:
-“O que é isso que eu vejo?”
E a vida respondeu:
-“Esta é a cidade do passado. Olhe para ela e pondere”.
Ele olhou a maravilhosa cena e viu muitos objetos e paisagens.
Eram salões construídos para a ação, erguendo-se como gigantes sob as asas do sono; templos de conversação ao redor dos quais pairavam espíritos que, ao mesmo tempo, choravam de desespero e cantavam canções de esperança.
Ele também viu igrejas erguidas pela fé e destruídas pela dúvida; depósitos de segredos guardados por sentinelas dos disfarces e saqueados por ladrões da revelação.
Viu fortalezas que foram erguidas pela bravura e demolidas pelo medo; santuários adornados pelo sono e destruídos pela consciência; casebres habitados pela fraqueza; mesquitas de solidão e abnegação; instituições de ensino iluminadas pela inteligência e obscurecidas pela ignorância.
Viu ainda teatros, em cujos palcos a vida encenava sua peça e a morte encerrava as tragédias da vida.
E a vida lhe disse que aquela era a cidade do passado, aparentemente distante, embora estivesse, na realidade, próxima e visível, apesar da dificuldade, através das nuvens escuras.
Depois disso, a vida convidou:
-Demoramos demais aqui. Vamos para a cidade do futuro.
Ele se afirmou cansado, com os pés machucados e sem forças.
Entretanto a vida insistiu:
-Siga em frente, meu amigo. Demorar-se é covardia. Permanecer para sempre contemplando a cidade do passado é loucura. A cidade do futuro aguarda...
* * *
A imagem concebida pela genialidade de Gibran, repleta de beleza, nos fala da permanência em demasia a contemplar a cidade do passado.
Muitos ainda estamos presos a lembranças, a imagens de um tempo que já foi, que dizemos ter sido melhor, que parecia um sonho, numa tentativa de quem sabe, um dia, poder revivê-lo...
Eram outros tempos...
Éramos outros...
Nada volta atrás e é assim que tem que ser.
Não há problema algum em visitarmos a cidade do passado vez ou outra, pois ela pode nos ensinar muito.
Por vezes, nos enternecer, nos fazer sorrir, pelas coisas boas que aconteceram por lá.
A questão é não nos demorarmos, na tentativa de permanecermos tempo demasiado e esquecermos de olhar para a cidade do futuro.
Olhemos para a cidade do passado com respeito e gratidão, sempre.
Ela nos deu moradia, nos abrigou em anos decorridos.
Porém, olhemos para a cidade do futuro com ânimo e esperança.
É lá que iremos viver as próximas eras.
É lá que construiremos as estruturas que irão nos abrigar.
É lá que iremos continuar a nossa própria construção.
Dessa forma, não nos detenhamos no ontem.
Sigamos em frente.
Redação do Momento Espírita, com base
no cap. 14, do livro A Voz do Mestre, de
Khalil Gibran, ed. Ajna.
Em 16.12.2023.
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