domingo, 17 de dezembro de 2023

AS DUAS CIDADES

Khalil Gibran 
O inspirado pensador Khalil Gibran escreveu bela página, relatando que, certa vez, a vida o tomou em suas asas e o levou até o topo do monte da juventude. 
Apontando para uma encosta, fez com que ele olhasse para trás. 
Viu, então, uma estranha cidade, da qual se erguia uma fumaça escura de muitas tonalidades, movendo-se vagarosamente como fantasmas.
Uma névoa fina quase escondia a cidade de seu olhar. 
Após um instante de silêncio, ele perguntou:
-“O que é isso que eu vejo?” 
E a vida respondeu: 
-“Esta é a cidade do passado. Olhe para ela e pondere”. 
Ele olhou a maravilhosa cena e viu muitos objetos e paisagens. 
Eram salões construídos para a ação, erguendo-se como gigantes sob as asas do sono; templos de conversação ao redor dos quais pairavam espíritos que, ao mesmo tempo, choravam de desespero e cantavam canções de esperança. 
Ele também viu igrejas erguidas pela fé e destruídas pela dúvida; depósitos de segredos guardados por sentinelas dos disfarces e saqueados por ladrões da revelação. 
Viu fortalezas que foram erguidas pela bravura e demolidas pelo medo; santuários adornados pelo sono e destruídos pela consciência; casebres habitados pela fraqueza; mesquitas de solidão e abnegação; instituições de ensino iluminadas pela inteligência e obscurecidas pela ignorância. 
Viu ainda teatros, em cujos palcos a vida encenava sua peça e a morte encerrava as tragédias da vida. 
E a vida lhe disse que aquela era a cidade do passado, aparentemente distante, embora estivesse, na realidade, próxima e visível, apesar da dificuldade, através das nuvens escuras. 
Depois disso, a vida convidou: 
-Demoramos demais aqui. Vamos para a cidade do futuro.
Ele se afirmou cansado, com os pés machucados e sem forças. Entretanto a vida insistiu: 
-Siga em frente, meu amigo. Demorar-se é covardia. Permanecer para sempre contemplando a cidade do passado é loucura. A cidade do futuro aguarda... 
* * *
A imagem concebida pela genialidade de Gibran, repleta de beleza, nos fala da permanência em demasia a contemplar a cidade do passado.
Muitos ainda estamos presos a lembranças, a imagens de um tempo que já foi, que dizemos ter sido melhor, que parecia um sonho, numa tentativa de quem sabe, um dia, poder revivê-lo... 
Eram outros tempos... 
Éramos outros... 
Nada volta atrás e é assim que tem que ser. 
Não há problema algum em visitarmos a cidade do passado vez ou outra, pois ela pode nos ensinar muito. 
Por vezes, nos enternecer, nos fazer sorrir, pelas coisas boas que aconteceram por lá. 
A questão é não nos demorarmos, na tentativa de permanecermos tempo demasiado e esquecermos de olhar para a cidade do futuro. 
Olhemos para a cidade do passado com respeito e gratidão, sempre. 
Ela nos deu moradia, nos abrigou em anos decorridos.
Porém, olhemos para a cidade do futuro com ânimo e esperança. 
É lá que iremos viver as próximas eras. 
É lá que construiremos as estruturas que irão nos abrigar. 
É lá que iremos continuar a nossa própria construção. 
Dessa forma, não nos detenhamos no ontem. 
Sigamos em frente. 
Redação do Momento Espírita, com base no cap. 14, do livro A Voz do Mestre, de Khalil Gibran, ed. Ajna. 
Em 16.12.2023.

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