quarta-feira, 22 de julho de 2020

UNIVERSO DE AMOR

Dominique Lapierre
Quando Ananda chegou ao antigo palácio, que servira de residência aos marajás do Nepal, viu as suas torres semi-arruinadas. Há muito os príncipes do pequeno Estado do Himalaia haviam abandonado o palácio. No local onde estivera o brasão antigo, havia uma placa de madeira, indicando o nome e a atividade de seus sucessores: 
Missionárias da Caridade 
 Assistência aos leprosos. 
Ela não conseguiu ler a placa, pois não sabia ler nem escrever. Era uma intocável, da casta dos párias. Acostumara-se a tomar cuidado para não projetar sua sombra sobre os pertencentes a outras castas, preservando-os da sua impureza. Aprendera a não erguer os olhos para olhar as pessoas. Ela não tinha esse direito. Desde que fora expulsa de casa, ao ser descoberta como portadora de lepra, aos treze anos, Ananda aprendera que as pessoas que se oferecem para ajudar sempre querem algo em troca. Foi, pois, com desconfiança que aceitou o universo de amor que a bondosa Irmã Bandona lhe oferecia. Ela se acreditava amaldiçoada. Por ser pária. Por ter contraído a lepra. Acreditava que não tinha o direito de ser amada. O estigma de pária de Ananda permanecia indelével. As missionárias podiam multiplicar à vontade suas provas de afeto e tratar sua protegida como uma delas. Ela se mantinha à distância e não havia um dia ou um ato que não fosse pretexto para mágoa e lágrimas. Mas, a bondosa missionária amava os leprosos. Cuidava-os com extrema ternura, fazia o máximo por cada um. Foram precisos vários meses para vencer a desconfiança e a rebeldia de Ananda. Certo dia, ela disse para si mesma: 
-Eu também sou irmã de todos. Eu também tenho o direito de amar e ser amada por todos. 
Era o início de sua transformação. Foi a primeira vitória do amor das religiosas. Mas Ananda reprovava o tempo que Irmã Bandona e suas companheiras ficavam na capela. Esse cantinho de recolhimento fora instalado num aposento isolado, antes destinado ao harém dos marajás. Ali havia uma mesa simples ornada por um círio. Na parede a inscrição: 
O que fazeis aos mais humildes dos Meus 
é a Mim que o fazeis. 
-Para que perder tempo, quando poderiam estar atendendo mais leprosos? – Reclamava Ananda. 
Então, Irmã Bandona lhe explicou: 
-Mesmo que, ao longo do dia cada um de nossos gestos seja um testemunho de amor dirigido a Deus, também precisamos testemunhar o nosso amor, através das preces que lhe dirigimos. 
Uma noite, quando acabava de se ajoelhar na capela para as preces habituais, a religiosa ouviu um roçar de pés sobre o piso de mármore. Voltou-se e viu Ananda. Fez sinal para que se aproximasse. E, então, com voz clara, orou: 
-Senhor, eis-nos aqui. Nós estamos mortas de cansaço, morremos de sono, estamos até os cabelos com os leprosos. Mas estamos aqui para dizer simplesmente que O amamos. 
O universo de caridade, que curara a lepra de Ananda com tratamento enérgico com sulfonas, estava lhe curando a alma com a lição do amor a Jesus. E ela, sorrindo, pela primeira vez, disse: 
-Vim agradecer ao teu bom Deus. 
Redação do Momento Espírita, com base nos caps. 6 e 10 do livro Muito além do amor, de Dominique Lapierre, ed. Salamandra. 
Em 22.7.2020.

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