segunda-feira, 11 de novembro de 2019

A ARTE DE OUVIR

 
Ela era uma senhora solitária, envolta no luto da dor, desde que o marido morrera. Vivia só, na grande casa do meio da quadra. Casa com varanda e cadeira de balanço. Todas as manhãs, o entregador de jornais, garoto de uns dez anos, passava pedalando sua bicicleta e, num gesto bem planejado, atirava o jornal nos degraus da varanda. Nunca errava. Paff! Era o sinal característico do jornal caindo no segundo degrau. Então, numa manhã de inverno, quando se preparava para lançar o jornal, ele a viu. Parada nos degraus da varanda, de pé, acenando-lhe para que se aproximasse. Ele desceu da bicicleta e foi andando em direção a ela. 
-O que será que ela quer? - Pensou o garoto.- Será que vai reclamar de alguma coisa? 
-Venha tomar um café, falou a senhora. Tenho biscoitos gostosos. 
Enquanto ele saboreava o lanche que lhe aquecia as entranhas, ela começou a falar. Falou a respeito do marido, de suas vidas, da sua saudade. Passado um quarto de hora, ele se levantou, agradeceu e saiu. No dia seguinte e no outro, a cena se repetiu. O menino decidiu falar a seu pai a respeito. Afinal, ele achava muito estranha aquela atitude. O pai, homem experiente, lhe disse: 
-Filho, ouça apenas. A senhora Almeida deve estar se sentindo solitária, após a morte do marido. Deixe-a falar. Recordar os dias de felicidade vividos deve lhe fazer bem ao coração. É importante que alguém a ouça. 
Nos dias que se seguiram, nas semanas e nos meses, o garoto aprendeu a ouvir, demonstrando interesse em seus olhos verdes e espertos. Quando a primavera chegou, ela substituiu o café quentinho pelo suco de frutas. O verão trouxe sorvete. Ao final, o entregador de jornais já iniciava sua tarefa pensando na parada obrigatória em casa da viúva. Habituou-se a escutar e escutar. Percebeu, com o tempo, que a velha senhora foi mudando o tom das conversas. Como a primavera, ela voltou a florir, nos meses que vieram depois. Quando o ano findou, o menino foi estudar em outra cidade. O tempo se encarregaria de lecionar mais esperança no coração da viúva e amadurecer ideias no cérebro jovem. Muitos fatores contribuíram para que o garoto e a viúva não tornassem a se encontrar. Contudo, uma lição o acompanhou por toda a vida. Ele nunca se esqueceu da importância de ouvir as pessoas, suas dificuldades, seus problemas, suas queixas. Lição que contribuiu também para o seu sucesso como esposo, pai de família e profissional. 
* * * 
Saber ouvir é uma virtude. De um modo geral, nos cumprimentamos, perguntando uns aos outros, como está a saúde e a dos familiares. Raramente esperamos por uma resposta que não seja a padrão: Tudo bem. Normalmente, se o outro passa a desfiar o rosário das suas dores e a problemática da família, nos desculpamos apontando as nossas obrigações e quefazeres. Entretanto, quando nos sentimos tristes, desejamos ardentemente que alguém nos ouça, que escute a cantilena das nossas mágoas. Pensemos nisso. Mas pensemos agora, enquanto ainda nos encontramos a caminho com nossos irmãos, na estrada terrena. 
Redação do Momento Espírita, com base no texto O que aprendi com os vizinhos, de Seleções Reader´s Digest, de abril de 1999. 
Em 11.11.2019.

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