terça-feira, 31 de julho de 2018

OS DOIS CÂNTAROS

MALBA TAHAN
Um moço religioso, que vivia entre os monges do deserto, sentia-se pouco inteligente e incapaz de guardar os ensinamentos recebidos. Entristecido, procurou um velho sábio e lhe disse: 
-Apesar dos esforços constantes que faço, não chego a conservar na memória, durante muito tempo, as instruções que recebo. Vão, também, para o esquecimento os trechos mais belos que leio, diariamente, no Evangelho. 
O sábio, que o escutava com paciência e bondade, pegou dois cântaros e falou ao jovem: 
-Meu filho, toma um destes cântaros. Coloca um pouco d'água, e depois lava-o cuidadosamente. Enxuga-o com o teu próprio hábito e devolve-o ao lugar onde estava. 
Obediente, o moço fez exatamente o que lhe determinou o sábio. Concluída a tarefa, o ancião perguntou-lhe qual dos dois cântaros estava mais limpo e claro. O rapaz tomou nas mãos o cântaro que acabara de secar e respondeu: 
-Este, por certo, está mais limpo.Lavei-o com muito cuidado. 
Disse sorrindo. O sábio, então, retorquiu, apontando para o cântaro limpo: 
-Repara bem. Ele difere muito daquele outro que não foi lavado por você e continua sujo e empoeirado. Porém, embora inegavelmente limpo, este cântaro não retém mais vestígio algum da água que o purificou. 
Também aquele que ouve, confiantemente, os ensinos do Evangelho e se deixa tocar por eles, vivenciando-os, embora não grave na memória a exata palavra dos ensinamentos recebidos, traz o coração tão puro quanto um cântaro lavado. De nada adianta recitar belos trechos do Evangelho e não viver os ensinamentos do Cristo. De nada adianta guardar na memória passagens belas e edificantes da vida de nobres missionários se não exemplificamos em nossos atos diários, as lições que julgamos tão valiosas. De nada adianta saber que Jesus é nosso Modelo e Guia, se nossos passos ainda insistem em seguir por caminhos que nos distanciam do Mestre Nazareno. Em dias como os nossos, em que o conhecimento a respeito de tantas coisas nos é ofertado com grande rapidez e facilidade, devemos refletir a respeito do uso que fazemos dele. A cultura e o esclarecimento têm servido aos homens como alavancas para o desenvolvimento intelectual. O intelecto e a moral são as duas asas necessárias ao progresso do Espírito e a intelectual é a primeira asa que os seres desenvolvem. Mas, com uma asa apenas não há como se alçar voo. Há, pois, outros progressos a serem alcançados. A responsabilidade daquele que conhece a verdade é maior do que a daquele que ainda permanece na escuridão da ignorância. A luz do saber deve estar aliada ao desejo de acertar e de ser melhor. Há tantos seres extremamente inteligentes que têm usado sua capacidade privilegiada para praticar crimes que lesam milhares de pessoas. E assim, com o intuito de obter vantagens indevidas, enganam e criam ciladas variadas. Usufruem, temporariamente de uma felicidade fictícia porque a própria consciência há de lhes exigir, cedo ou tarde, a reparação pelo mal que praticaram. Perceberão, um dia, que mais importante do que saber muito é utilizar bem o pouco que já se sabe. É necessário progredir também moralmente. Eis aí a segunda asa que há de nos permitir atingir o céu da felicidade verdadeira. Asa esta que só conquistaremos quando fizermos uso adequado e justo dos conhecimentos que temos acumulado ao longo das existências e dos séculos. Pensemos nisso. 
Redação do Momento Espírita, com base no livro Os melhores contos de Malba Tahan, ed. Record. Em 31.01.2010.

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