quinta-feira, 21 de abril de 2016

A CARIDADE SUBSTITUINDO O EGOISMO

Desde que dois homens estejam juntos, contraem, por isto mesmo, deveres recíprocos; se quiserem viver em paz, serão obrigados a se fazerem mútuas concessões. Esses deveres aumentam com o número dos indivíduos; as aglomerações formam um todo coletivo que também tem suas obrigações respectivas. Temos, pois, além das relações de indivíduo a indivíduo, as de cidade a cidade, de país a país. Essas relações podem ter dois móveis que são a negação um do outro: o egoísmo e a caridade, pois que há também egoísmo nacional. Com o egoísmo, prevalece o interesse pessoal, cada um vive para si, vendo no semelhante apenas um antagonista, um rival que pode concorrer conosco, que podemos explorar ou que pode nos explorar; aquele que fará o possível para chegar antes de nós: a vitória é do mais esperto e a sociedade - coisa triste de dizer - muitas vezes consagra essa vitória. Disso resulta uma sociedade dividida em duas classes principais: os exploradores e os explorados. Temos aí um antagonismo perpétuo, que faz da vida um tormento, um verdadeiro inferno. Substituí o egoísmo pela caridade e tudo se modificará; ninguém procurará fazer o mal ao seu vizinho; os ódios e os ciúmes se extinguirão por falta de combustível, e os homens viverão em paz, ajudando-se mutuamente em vez de se dilacerarem. Se a caridade substituir o egoísmo, todas as instituições sociais serão fundadas sobre o princípio da solidariedade e da reciprocidade; o forte protegerá o fraco, em vez de o explorar. É um belo sonho, dirão; infelizmente não passa de um sonho; o homem é egoísta por natureza, por necessidade e o será sempre. Se assim fosse, o que seria muito triste, é o caso de se perguntar com que objetivo o Cristo veio até nós pregar a caridade aos homens? Equivaleria a pregar aos animais. Examinemos, contudo, a questão: Há progresso do selvagem ao homem civilizado? Não se procura, diariamente, abrandar os costumes dos selvagens? Mas, com que finalidade, se o homem é incorrigível? Estranha bizarrice! Espera-se corrigir selvagens e pensa-se que o homem civilizado não pode melhorar-se! Se o homem civilizado tivesse a pretensão de haver atingido o último limite do progresso acessível à espécie humana, bastaria comparar os costumes, o caráter, a legislação, as instituições sociais de hoje com as de outrora. E, no entanto, os homens de outrora, também eles, acreditavam ter alcançado o último degrau. Que teria respondido um grão-senhor do tempo de Luís XIV se lhe tivessem dito que poderia dispor de uma ordem de coisas melhor, mais equitativa, mais humana do que a então vigente? Que esse regime mais equitativo seria a abolição dos privilégios de castas e a igualdade do grande e do pequeno diante da lei? O audacioso que assim falasse talvez pagasse caro sua temeridade. Disso concluímos que o homem é eminentemente perfectível, e que os mais adiantados hoje poderão parecer tão atrasados dentro de alguns séculos quanto o são os da Idade Média em relação a nós. Negar o fato seria negar o progresso, que é uma lei da natureza. Pensemos nisso. 
Redação do Momento Espírita, com base em trecho da obra Viagem espírita em 1862 e outras viagens, de Allan Kardec, ed. Feb. Em 28.3.2013.

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