quinta-feira, 24 de outubro de 2024

MÃOS AVELUDADAS DE DEUS

Ele estava no ônibus urbano. 
Jovem, vestia a camisa dez da seleção de futebol. 
O amarelo se destacava na condução lotada. 
Chamou atenção a criança que ele trazia ao colo, pelos gritos estranhos que emitia, a espaços regulares. 
Denotava ser portadora de deficiência, algum problema que, na qualidade de leigos, não identificamos. 
O menino demonstrava, ademais, ter problemas neurológicos graves, pois se mantinha um tanto relaxado, no colo paterno, os braços ao longo do corpo, a cabeça pendendo para um lado. 
Vez ou outra, o corpo projetava-se para a frente, num movimento de queda, como se a gravidade lhe lançasse um apelo, ao qual ele acedia, sem resistência.
O pai, sem alterar-se ou demonstrar inquietação, tornava a acomodar o filho, secando-lhe a baba, com delicadeza, preocupando-se, com seu conforto. 
Nenhum sinal de enfado. 
Ao contrário, infinita ternura, em cada gesto. 
Chegado ao destino, ergueu-se do banco onde se assentava, tomou seu fardo precioso nos braços, acomodou-lhe a cabeça em seu ombro direito, sob as reclamações insistentes do garoto. 
E lá se foram os dois, parecendo um só, ambos de camisa amarela. 
Um ereto, caminhando firme, debaixo do sol de inverno, gargalhando luzes douradas. 
O outro, utilizando-o como apoio para seu frágil e desengonçado corpo. 
Quanto amor em poucos gestos. 
Quanta ternura em cada ação. 
O menino, exteriormente, não denotava perceber os cuidados de que era alvo. 
No entanto, ao olhar mais atento não escapava o fato de que as expressões dos sentimentos amorosos o acalmavam. 
É como se a ternura tecesse uma rede, para nele embalar o ser deficiente e indefeso. 
Lembramos de quantos pais e mães existem, na Terra, bordando carinho na vida de filhos dependentes. 
Filhos portadores de deficiências físicas e mentais. 
Pais e mães que abraçam filhos, de tal sorte alienados que jamais, nesta vida, lhes manifestarão gratidão por qualquer forma. 
Filhos com problemas. 
Seres amados. 
Almas que se reencontram sob o pulsar do amor e a grandeza das renúncias. 
À noite, quando deixam os corpos, em desprendimento parcial pelo sono, pais e filhos se encontram em jardins espirituais, entre abundância de flores, perfumes e cores. 
É ali que o Espírito do filho abraça e chora de emoção:
-Obrigado, pais queridos, por me ampararem, botão de flor defeituoso, na primavera da vida. 
E os pais, entre carinhos, respondem: 
-Filho amado, conta conosco. Seremos na Terra, nesta vida, tuas pernas, teus braços, tua mente. O amor que nos une supera toda dificuldade. 
Depois, retornam aos corpos físicos e, quando a manhã se espreguiça, e o sol estende sua colcha dourada sobre o dia nascente, eles abrem os olhos na carne e reiniciam suas lutas. 
* * * 
Benditos sejam os que amam, os que agasalham outras vidas renunciando às suas próprias. 
Benditos sejam, pais e mães da Terra, mãos aveludadas de Deus, no planeta, sustentando vidas débeis. 
Redação do Momento Espírita. Disponível no CD Momento Espírita, v. 28, ed. FEP. 
Em 9.9.2015.

Nenhum comentário:

Postar um comentário