quinta-feira, 31 de março de 2022

O TESOURO MAIOR

Gibran Khalil Gibran
Eu não sabia o significado de seus discursos ou de suas parábolas, até quando Ele não estava mais entre nós. Mais ainda, eu não compreendi, até que suas palavras tomaram formas vivas diante de meus olhos, e se transformaram em corpos que caminham na procissão de meus próprios dias. Deixai-me dizer o seguinte: 
-Uma noite, enquanto eu me encontrava pensando, e recordando suas palavras e seus feitos, para escrevê-los em um livro, três ladrões adentraram minha casa. Embora soubesse que eles vieram despojar-me de meus bens, eu estava absorto demais no que estava fazendo para enfrentá-los com a espada, ou até mesmo dizer: 
-“O que fazeis aqui?” 
-E continuei escrevendo minhas recordações do mestre. Depois que os ladrões se foram, lembrei-me de seu dizer: 
-“Aquele que vem para levar vosso manto, deixai que leve vosso outro manto também.” 
-E compreendi. Enquanto eu permanecia sentado, registrando suas palavras, nenhum homem poderia ter-me impedido mesmo que me levasse todas as posses. Pois, embora desejasse resguardar minhas posses e minha pessoa, eu sei onde está o tesouro maior.
* * * 
As palavras inspiradas desse seguidor de Jesus nos fazem pensar sobre os tempos em que vivemos no orbe terreno. 
Num dia temos, no outro não temos mais. 
Momentos de abundância financeira alternam-se com os de escassez profunda. 
O que é nosso realmente? 
O que nos faz possuidores de algo na Terra? 
Tudo, por vezes, parece escorrer de nossas mãos tão facilmente!... 
É difícil entender a posse, quando falamos dos bens materiais. 
Tudo aquilo que julgamos possuir, pode, de repente, pertencer a outro, ou a ninguém mais. 
Estão aí as grandes calamidades levando tudo das famílias. 
Aí está a violência assaltando nossa vida. 
Tudo aquilo que despendemos tanto tempo para conseguir. 
Tendo em mente apenas a visão material da vida, temos motivos para a revolta, para a indignação. 
Porém sabemos que a vida não é isso, assim como sabemos que nós não somos o corpo de matéria bruta vislumbrado no espelho. 
Somos muito mais... 
Assim como a existência o é. 
Desta forma entendemos esta aparente despreocupação do Mestre, em relação ao Seu manto, quando afirmava:
-Aquele que vem para levar vosso manto, deixai que leve vosso outro manto também. 
O manto era algo importante, um bem de necessidade básica, e mesmo assim a visão espiritual da vida diz: é apenas um manto. 
Nosso tesouro maior está na alma, e este ninguém pode arrancar de nós. 
As conquistas que fazemos no campo do intelecto; o alcance das virtudes; os amores que cultivamos ao longo do tempo – nada pode ser retirado de nós. 
Evitemos assim apego excessivo às posses que o planeta oferece. 
Se a violência bater à nossa porta, deixemos que leve tudo, sabendo que nossa dignidade sempre permanecerá intacta. 
Não arrisquemos a oportunidade bendita da existência, por um veículo, por algumas joias ou por uma grande quantia em dinheiro. 
Nada vale tanto quanto a chance de estar encarnado na Terra. 
Nada vale tanto quanto a convivência com quem amamos. 
Redação do Momento Espírita, com citação do cap. Davi, um de seus seguidores, do livro Jesus, de Gibran Khalil Gibran, ed. Ediouro. 
Em 31.3.2022.

quarta-feira, 30 de março de 2022

DIAS DE MELANCOLIA

Há dias em que a alma amanhece com uma tristeza sem destino. Ela apenas surge e se instala, como se quisesse ganhar morada definitiva, como se ali fosse seu lugar. Entra com uma estranha intimidade, sem formalismos, sem licenças ou favores. Aninha-se, tomando conta de pensamentos e sentimentos, sem escrúpulos, mesmo porque ela não tem nenhum. Quando nos damos conta, sentimos a alma melancólica, o coração apertado e uma saudade sem nome. 
Apenas saudade. 
Dias de melancolia são assim. 
Eles chegam sem aviso, sem data marcada, sem motivos aparentes. É apenas nossa alma sentindo saudades daquilo que, por enquanto, não pode vivenciar. Não pode porque a experiência que estamos vivendo, mergulhados na carne, nos priva de várias possibilidades. Os nossos sentidos parecem um tanto adormecidos, nossas capacidades se apresentam limitadas. 
Vivemos em um corpo físico. 
Viver no mundo nos impõe, ainda, preocupações com a sobrevivência do corpo, com sua saúde. 
E muitas responsabilidades. 
Assim é porque são esses embates, circunstâncias e necessidades que nos dão o ensejo de crescimento e aprendizado. 
Embora todo esse processo esteja conforme as Leis de Deus, é natural que a alma, de tempos em tempos, cansada de lutas sem trégua, se entregue a dias de melancolia. 
São as saudades dos afetos que ficaram no mundo espiritual, que não estão conosco na carne. 
São as saudades de lugares onde vivemos, em alguma época. 
São saudades de tempos em que usufruímos de coisas que hoje não temos. 
Saudades de relacionamentos, de ambientes, de algo que nos felicitou a alma, no passado. 
Sentimos falta da convivência harmoniosa com nossa família espiritual. 
Nesses dias de melancolia, a oração poderá ser o remédio que nos haverá de amenizar a alma saudosa e o coração entristecido. 
A prece nos auxiliará a lembrar da importância dos dias que ora vivemos, das estradas que nos compete trilhar, das tarefas a cumprir. 
E nos convidará a oferecer à vida, àqueles que nos cercam, aos que cruzam nossos caminhos, os melhores valores do nosso coração. 
A fazer de nosso exercício profissional, um exemplo; uma constante dedicação aos compromissos familiares. 
A vida é fugidia e passa rápido. 
Não nos permitamos alimentar dias de melancolia, para que não se transformem em patologia grave, e não nos conduzam a enfermidades de difícil cura. 
Aprendamos, mesmo em meio a rudes provas, a nos encantar com o mundo que, todos os dias, renova as suas paisagens de luz e de beleza. 
Aprendamos a diminuir a saudade, na doce audição de uma melodia de paz e no refúgio da oração. 
Peçamos apoio ao nosso anjo de guarda, esse ser designado por Deus, para nos amparar e conduzir, nesta vida. 
Tudo tem seu tempo determinado, no imenso universo de Deus. 
Este é o momento de estarmos aqui, neste planeta azul.
Haverá momentos de vivermos na Espiritualidade.
Momentos de encontros e de reencontros. 
Momentos de arrefecer a saudade. 
Agora, é o momento de nos servirmos da vida para crescer. 
Pensemos nisso. 
Redação do Momento Espírita. 
Em 30.3.2022.

terça-feira, 29 de março de 2022

O SONO DA I NDIFERENÇA

Um dos relatos mais comoventes, quando se abordam as horas anteriores à prisão de Jesus, é a Sua solidão. Durante a ceia daquela quinta-feira, Ele fizera recomendações para o futuro e revelações do que aconteceria, logo mais. Seria de se esperar que os Apóstolos se mantivessem com olhos e ouvidos atentos, na sequência das horas. Saindo do local onde tivera lugar a comemoração pascal, Jesus se dirigiu para o Getsêmani, um jardim aos pés do Monte das Oliveiras. Calcula-se que tenha sido uma caminhada de uns dez minutos. Acompanhado de Pedro, Tiago e João, adentrou-se para o monte povoado de árvores frondosas, que convidavam ao pensamento contemplativo. Tornou a frisar que aqueles eram os Seus últimos momentos na Terra. E lhes pediu: 
-Orai e vigiai comigo, para que tenha a glorificação de Deus no supremo testemunho. 
Afastou-se, à pequena distância, mantendo-se em prece.
Reconhecendo que, se assim Jesus os convidava, para aquela derradeira hora, é porque confiava neles, dispuseram-se à vigília. No entanto, logo adormeceram. Foram despertados, pelo Mestre, que lhes perguntou por que não haviam permanecido em oração. E lhes narrou que fora visitado por um mensageiro do Pai, que O viera confortar para o sacrifício próximo. Apesar de mais essa extraordinária revelação, poucos segundos passados, os três tornaram a adormecer. Acordaram, finalmente, com os ruídos estranhos, a invasão dos soldados do templo, a prisão do Nazareno. Considerando a tristeza da flagelação, a sentença arbitrária, e morte na cruz, o Apóstolo João entrou a refletir maduramente sobre os acontecimentos do Getsêmani. 
-Por que dormira, ele, que amava tanto a Jesus? 
-Por que não pudera estar com Ele, naquela prece derradeira? 
-Por que não conseguira atender ao pedido do Amigo? 
O tempo passou sem que João conseguisse esquecer aquela falta de vigilância. Certa noite, numa atmosfera de sonho, em divino esplendor, Jesus o visitou e lhe falou das lições que deveriam ser extraídas daquele episódio. Disse da marcha solitária de quantos abraçam missões de amor. Sobretudo, falou a respeito do sono da indiferença, alertando para o Orar e vigiar. 
* * * 
Hoje, como naquele dia, muitos de nós cultivamos o sono da indiferença. 
Um terrível vírus se alastrou pela Terra, nos solicitando reformulação de atitudes, da maneira de viver. 
A pandemia nos exigiu mais respeito ao outro, à própria vida. 
Fomos convocados à vigilância, preservando-nos do contágio cruel. 
Vimos centenas de amores e amigos serem levados pela morte. 
Vimos empregos desaparecerem, negócios serem fechados, angústia e dor em todo o planeta. 
Vieram as vacinas, a bênção da recomposição da vida, como uma fugidia luz de esperança. 
Bastou uma breve pausa da corrida pandêmica, um arrefecimento da sua incidência, e retornamos aos mesmos velhos hábitos descuidados. 
Parece-nos que o Governador Planetário se achega e nos indaga: 
-Filhos da alma, tanta dor não os consegue manter atentos, despertos? Será que prosseguiremos imersos no sono da indiferença? 
É hora de despertar. 
Orar e vigiar. 
Redação do Momento Espírita, com base no cap.27, do livro Boa Nova, pelo Espírito Humberto de Campos, psicografia de Francisco Cândido Xavier, ed. FEB. 
Em 28.3.2022.

segunda-feira, 28 de março de 2022

HOMENAGEM A UM PAI AUSENTE

Pai, você sempre zelou pela minha segurança, buscando pessoas e lugares que pudessem ajudá-lo a me fazer viver... 
Eu era seu filho e passei a ser a razão do seu viver. 
Do seu jeito, você me amou. 
Nossos parentes que o admiravam tanto, pessoas que não o conheceram, meus amigos, alguns vizinhos, todos desejam que você faça uma boa viagem e que nos espere um dia, pois você tomou o ônibus da frente. 
O próximo talvez seja o nosso... 
Você nunca demonstrou, mas se angustiava quando precisava ir trabalhar, viajar, e queria estar comigo para me dar segurança. 
Quando estava longe pensava com carinho em mim.
Você não falou “Amo você”, mas tudo o que fez para mim provou que você me amava. 
Lembro das broncas que levei quando fazia algo errado...
Dos causos que você me contava... 
Dos seus conselhos, dos incentivos para as boas ideias...
Aprendi a confiar em seus conselhos, a respeitar sua autoridade de experiência de vida, a buscar sua opinião antes de fazer algo. 
E, sempre que não o escutei, eu errei. 
Mas de que eu mais gostei, foi a liberdade que tive com você. 
Com a liberdade que você me deu, aprendi a ter responsabilidade. 
Você me ensinou a viver e a me cuidar no mundo. 
A assumir minhas atitudes. 
A errar menos para sofrer menos, e nunca prejudicar alguém. 
Aprendi que não se deve viver por viver, mas ajudar as pessoas e fazer um mundo melhor, começando por nós.
Lembro-me de como você fazia seu serviço... 
Os problemas por que passou na vida... 
Você me contou sua vida. 
E com sua vida aprendi que existem pessoas e fatos que nem sempre nos fazem felizes, mas que precisam ser rapidamente superados porque devemos seguir em frente. 
Aliás, seguir em frente foi a coisa mais importante que aprendi com você, porque nunca o vi reclamando de alguma situação, mas, sim, tomando atitudes para modificar e melhorar. 
Você sempre me dizia: 
-“Se não der certo aqui, tente ali, nunca desista.” 
E hoje, pensando em você, quero celebrar a vida. 
Vida que você teve. 
Vida que você me deu. 
Vida que vivemos juntos. 
Fiquei muito triste com a sua viagem. 
Ao chegar em casa não vou vê-lo sentado na sala ouvindo as notícias pelo rádio ou vendo televisão... 
Não vou mais, ao banco, receber a sua aposentadoria, contar novidades para você, fazer as compras que me pedia... 
O pão, o leite, a margarina... 
Agora a casa está vazia, sem vida, sem a sua vida.
Posso imaginar você escutando isto... 
Talvez tenha vontade de chamar minha atenção, alertando: 
-“Meu tempo já passou... O que você está fazendo do seu tempo?” 
Talvez me perguntasse se já pintei a casa... 
Se aluguei o ponto comercial... 
Se cortei a grama... 
Você concluiu sua caminhada... 
Neste momento, em respeito a sua memória, eu afasto a tristeza e qualquer sentimento negativo. 
Sinto saudades porque a falta continua... 
Não sei dizer ao certo se eu vim para lhe fazer feliz ou se fui feliz por ter vindo ao mundo através de você. 
Acredito que foi bom para você ter a mim como filho.
Porém, com toda certeza deste mundo, foi muito melhor ter tido você como pai... 
Redação do Momento Espírita, a partir de texto em homenagem a Félix Bieniacheski, de autoria de Francisco Bieniacheski. 
Em 28.7.2020.

domingo, 27 de março de 2022

HOMENAGEM AO IMPERADOR

Walter José Faé
Por ocasião de uma viagem ao Estado do Paraná, D.Pedro II foi hospedado em Ponta Grossa, por um fazendeiro rude, mas trabalhador e leal. Sem maiores cerimônias, ofereceu um almoço ao Monarca, e disse-lhe: Senhor Imperador! Eu podia ter feito mais alguma coisa. Podia ter matado mais uma vitela, mais um peru. Mas preferi assinalar de outro modo a vossa passagem por esta terra, e a honra de vir a esta sua casa:
-Libertei todos os meus escravos, cerca de setenta, e peço a Vossa Majestade o favor de lhes entregar as cartas de liberdade! 
Ao voltar à corte, o soberano recebeu, do Ministro do Império, os decretos que identificavam as pessoas que o haviam homenageado durante sua excursão. Notou que, para aquele fazendeiro paranaense, havia sido guardado o título da Ordem da Rosa. 
-Isto é pouco para esse homem. Declarou o Imperador. Faça-o Barão! 
-Mas, Majestade, - questionou o Ministro, - ele é quase um analfabeto. 
Pedro II fitou-o determinado e respondeu: 
-Não será o primeiro! Esse fazendeiro é um homem muito digno e tem este merecimento. Mande-me o decreto fazendo-o Barão dos Campos Gerais. 
* * * 
A História do Brasil nos traz esta passagem, que revela aos homens a melhor maneira de se homenagear seu Criador, seu Soberano: fazer o bem. 
Deus não deseja homenagens vistosas, não deseja cerimoniais luxuosos, sacrifícios humanos. 
A forma mais bela de reconhecer Sua grandeza, de mostrar como somos gratos por tudo que somos, por tudo que temos, está no amor a Suas criaturas, Seus filhos. 
O fazendeiro da história libertou seus escravos. 
Nós podemos, quem sabe, dar liberdade a quem amamos, procurando erradicar de nossas vidas o ciúme desequilibrado. 
Ou doarmo-nos um pouco mais a quem precisa, concedendo alguns instantes de atenção a quem está ao nosso redor, procurando ouvir mais, procurando guardar um tempo em nossos dias atribulados para perguntar:
-Como vai você?
E esperar pela resposta, realmente desejando saber como vai aquela outra vida, aquele próximo. 
Não há homenagem mais bela a Deus do que praticar a Lei maior do Universo, a Lei de Amor. 
Amando a criatura estaremos amando seu Criador. 
* * * 
Admirar, sentir, respeitar a natureza é uma das formas de louvar a Deus. 
Procuremos, nos instantes do dia, quando nossos pulmões encontrarem os ares da manhã, fazer uma prece, agradecendo pela vida, por mais um dia, pelo espetáculo belíssimo das obras de Deus a inspirarem nossos corações, concedendo-nos a certeza plena de que estamos protegidos, e de que fazemos parte de um Universo perfeito. 
Redação do Momento Espírita, com base no livro Chico Xavier, D.Pedro II e o Brasil, de Walter José Faé, ed. Cor.
Em 12.05.2011.

sábado, 26 de março de 2022

O HOMEM TRISTE

Você passou por mim com simpatia, mas quando viu meus olhos parados, indagou em silêncio porque vagueio pelas ruas. 
Talvez por isso apressou o passo e, ainda que eu quisesse chamar, a palavra desfaleceu na boca. 
É possível que você suponha que eu desisti do trabalho, no entanto, ainda hoje, bati de porta em porta, em vão...
Muitos disseram que ultrapassei a idade para ganhar o pão, como se a madureza do corpo fosse condenação à inutilidade. 
Outros, desconhecendo que vendi minha melhor roupa, para aliviar a esposa enferma, me despediram apressados, crendo que fosse eu um vagabundo sem profissão. 
Não sei se você notou quando o guarda me arrancou da frente da vitrine, a gritar palavras duras, como se eu fosse um malfeitor vulgar. 
Contudo, acredite, nem me passou pela mente a ideia de furto. Apenas admirava os bolos expostos, recordando os filhinhos a me abraçar com fome, quando retorno à casa.
Talvez tenha observado as pessoas que me endereçavam gracejos, imaginando que eu fosse um bêbado, porque eu tremia, apoiado ao poste. 
Afastaram-se todos com manifesto desprezo, mas não tive coragem de explicar que não tomo qualquer alimentação há três dias. 
A você, todavia, que me olhou sem medo, ouso rogar apoio e cooperação. 
Agradeço pela dádiva que me ofereça, em nome do Cristo, que dizemos amar, e peço para que me restitua a esperança, a fim de que eu possa honrar com alegria o dom de viver. 
Para isso, basta que se aproxime de mim sem asco, para que eu saiba, apesar de todo meu infortúnio, que ainda sou seu irmão. 
* * * 
Esta é a mensagem de um homem triste, quiçá como tantos que vemos perambulando pelas ruas. 
É bem verdade que alguns são de fato pessoas que se comprazem na ociosidade. 
Todavia, há os desafortunados que, apesar de trabalhar a vida toda, não puderam ajuntar moedas para o sustento próprio e da família e que, chegada a madureza, são condenados pela sociedade a viver como réprobos, embora sejam pessoas dignas. 
É comum observarmos homens e mulheres puxando um carrinho de papéis e outros objetos recicláveis, para prover o próprio sustento. 
São nossos irmãos de caminhada evolutiva que não têm coragem de viver da mendicância. 
Por isso trabalham com dignidade. 
Muitos de nós, no entanto, nos enfadamos com essas criaturas que atrapalham o trânsito com seus carrinhos indesejáveis. 
O que não nos damos conta é que, além do peso do carrinho, têm ainda que carregar sobre os ombros o peso da humilhação e do desprezo impostos por uma sociedade indiferente. 
É verdade que todos nós estamos colhendo o que plantamos, e que aqueles que passam por essas situações precisam dessas experiências para crescerem espiritualmente. 
Entretanto, são nossos irmãos, filhos do mesmo Pai­ Criador e merecedores sem dúvida, no mínimo, do nosso respeito. 
Se não os podemos ajudar, que não os atrapalhemos jogando-lhes palavras amargas nem menosprezando-os, dificultando ainda mais a sua caminhada. 
* * * 
Muitas pessoas que hoje vivem na miséria já foram pessoas muito ricas em outras existências e vice-versa.
As Leis Divinas a todos nos reservam as lições que necessitamos para progredir. 
E a lógica diz que aquele que é rico e esbanja sua fortuna em futilidades e em proveito próprio, precisa passar por necessidades materiais para aprender a valorizar os tesouros que Deus lhe empresta, a fim de que possa progredir. 
Redação do Momento Espírita com base no cap. Mensagem do homem triste, pelo Espírito Meimei, do livro Ideal espírita, por Espíritos diversos, psicografia de Francisco Cândido Xavier, ed. CEC. Disponível no CD Momento Espírita, v. 1, ed. Fep. 
Em 11.01.2010.

sexta-feira, 25 de março de 2022

UM HOMEM TAMBÉM CHORA

CHICO XAVIER E EMMANUEL
Quando o pai voltava do trabalho, o garotinho corria com os braços abertos em busca de um abraço aconchegante. Mas, o pai, acostumado à educação rígida e equivocada do início do Século XX, ia logo dizendo: 
-Homem não abraça homem. 
O menino ficava sem saber o que fazer com a vontade de demonstrar seu afeto e carinho àquele a quem amava e admirava. Isso lhe causava extremo desconforto, mas foi se acostumando a não abraçar o pai, e nem chorar, pois homens não choram, segundo a mesma educação que recebia. Sempre que algo o infelicitava, prendia o choro na garganta e corria para os braços da mãezinha dedicada, a quem podia abraçar sem medo de ser menos homem. Esse conceito ancestral, infelizmente, ainda é muito comum nos dias de hoje. Muitos filhos homens não se sentem à vontade para abraçar seus pais e, menos ainda, para beijá-los. Aquele garoto, que agora já está com mais de oitenta anos de idade, conta que foi muito difícil conviver com a dificuldade de extravasar seus sentimentos com quem quer que fosse. Não conseguia abraçar os amigos, não conseguia chorar por causa das orientações que recebera na infância. Diz ele que só conseguiu vencer essa barreira, com muito esforço, há pouco tempo. Hoje ele consegue se entregar num abraço sem medo de ser feliz. Mas chorar em público é algo que procura evitar, pois a frase ouvida muitas vezes na infância, ainda o persegue: 
-Homens não choram. 
Mas a lógica nos diz que os homens também podem e devem chorar, sem que isso os diminua como homens. Homens que se privam de extravasar suas dores e tristezas pelas lágrimas, geralmente arrebentam o coração em enfartes fulminantes. O que faz um ser humano ser digno não é o fato de deixar de chorar, ou de evitar se envolver num abraço. O que dá dignidade a um homem é a sua capacidade de amar, de se entregar, de se deixar levar pela emoção sadia. O cancioneiro popular, Gonzaguinha, retratou, através da música Guerreiro menino, essa realidade: 
Um homem também chora... 
Também deseja colo... 
Palavras amenas... 
Precisa de carinho, precisa de ternura. 
Precisa de um abraço da própria candura. 
Guerreiros são pessoas, são fortes, são frágeis.
Guerreiros são meninos no fundo do peito.
Precisam de um descanso.
Precisam de um remanso.
Precisam de um sonho que os torne refeitos.
É triste ver esse homem guerreiro menino, com a barra de seu tempo por sobre seus ombros. 
Eu vejo que ele berra, eu vejo que ele sangra a dor que traz no peito, pois ama e ama. 
Um homem se humilha, se castram seu sonho.
Seu sonho é sua vida, e a vida é o trabalho.
E sem o seu trabalho um homem não tem honra.
E sem a sua honra, se morre, se mata. 
 * * * 
Hombridade não é sinônimo de dureza. 
O homem é um Espírito temporariamente mergulhado num corpo masculino, mas é um filho de Deus como outro qualquer. 
Um homem também chora... 
Um homem também sente saudade... 
Um homem também se entristece quando parte um ser querido.. 
Um homem também se equivoca, também se arrepende, também se sente só muitas vezes. 
E, às vezes, a única maneira de aliviar um pouco o peito oprimido é deixar que as lágrimas jorrem com vontade.
Paulo de Tarso, o incomparável Apóstolo, na luta para vencer a si mesmo, encontrava nas lágrimas uma forma de desabafo. 
Aquele gigante do cristianismo deixava, nas horas difíceis, as lágrimas aliviarem seu coração oprimido. 
A cada gota de pranto era um pouco de fel que expungia da alma, renovando-lhe as sensações de tranquilidade e de alívio. 
Jesus, o maior homem de que se tem notícia, também chorou. 
Pense nisso e, se sentir vontade ou necessidade, abra as comportas do peito e deixe que as lágrimas lavem e aliviem seu coração, sem medo de ser feliz. 
Redação do Momento Espírita, com frase extraída do livro Paulo e Estêvão, pelo Espírito Emmanuel, psicografia de Francisco Cândido Xavier, ed. Feb. 
Em 13.04.2012.

quinta-feira, 24 de março de 2022

ARREPENDIMENTO

Arrepender-se, dizem, é abrir-se para o bem. 
Trata-se de uma ação reparadora. 
Quando nos arrependemos, pedimos desculpas e perdão do mal praticado, de forma que permaneçam os resultados felizes. 
É preciso coragem para identificar o nosso erro. 
Nobreza de caráter o tentar repará-lo. 
Existem, no entanto, algumas situações em que tomamos certas atitudes que, por mais desejemos, não as temos como reparar. 
Como reparar a negação de um abraço, o diálogo? 
Como reparar aquele momento em que nosso irmão esperava nossa mão, amparando-o, e deixamos de oferecê-la? 
Momentos em que, por sofrimento próprio ou por revolta, decidimos não confortá-lo? 
Essas são aquelas circunstâncias difíceis de serem sanadas. 
Não há como voltar para aquele minuto, reviver aquela circunstância. 
Uma adolescente judia, quando foi, de forma agressiva, retirada de sua casa com a família e acomodada em uma carroça, com bancos de madeira, recorda da tristeza de seu pai. Lembra que ele, saindo da casa, ficou parado, olhando para a porta. Parecia confuso, como um viajante que procura chaves nos bolsos na escuridão da noite. O soldado o insultou, escancarou a porta com um chute e gritou para que ele aproveitasse a festa para seus olhos. Ele olhou para o espaço escuro. Parecia atordoado, como se não conseguisse decidir se o soldado estava sendo gentil ou indelicado. Depois, veio em direção à carroça para se juntar aos demais. A menina ficou dividida entre o desejo de proteger seus pais e a tristeza por eles não a poderem proteger. Sentada ao lado da irmã mais velha, ela a viu assustada. Magda era quem sempre desafiava a autoridade, adorava provocar os outros. Agora parecia apavorada porque aqueles homens empunhavam armas e a violência estava presente. Anos depois, lembrando desse triste dia, diria a menina: 
-Em minha lista de arrependimentos, este se destaca: não segurei a mão de minha irmã. 
O que viria em seguida, seriam meses de medo, fome, frio. Ela e a irmã sobreviveram aos campos de concentração. Sua mãe foi mandada para o forno crematório no primeiro dia, logo na chegada. Foi-lhe dito que, em breve, ela veria sua mãe. Naquela noite, quando perguntou quando a poderia ver, uma prisioneira lhe apontou a fumaça subindo de uma das chaminés à distância. 
-Sua mãe está queimando lá dentro. É melhor você começar a falar dela no passado. 
Estavam sós, as duas irmãs. Mais de uma vez será Magda quem a salvará. Quando estava tão fraca que não conseguia se mover de um local a outro, nas transferências de campos, ela a carregou. Quando foram colocadas em filas desordenadas para o corte de cabelo, a retirada das roupas, o furto das suas identidades, Magda não saiu do seu lado. Então, quando chegou a libertação, quando acabou o sofrimento para se iniciar a luta pelo reinício de uma nova vida, ela amargaria, repetidas vezes, aquele gesto tolo: não ter segurado a mão de sua irmã. Aquele era um momento de desespero, em que tudo lhes estava sendo retirado. 
Por que não atendera ao ímpeto do afeto? 
Pensemos a respeito e, em circunstância alguma, detenhamos o gesto de carinho. 
Redação do Momento Espírita, com fatos colhidos no cap. 2, do livro A bailarina de Auschwitz, de Edith Eva Eger, ed. Sextante. 
Em 24.3.2022.

quarta-feira, 23 de março de 2022

UM HOMEM SIMPLES! UM HOMEM EXTRAORDINÁRIO!

CHICO XAVIER
César Soares
dos Reis
César residia em Três Corações, Minas Gerais. Certo dia, um amigo o convidou a ir a Uberaba, para visitar o missionário do amor, Francisco Cândido Xavier. Era tudo o que ele sempre desejara: conhecer pessoalmente aquela criatura que exalava bondade e atendia a tantas pessoas, de forma simples, sem afetação alguma. Um homem chamado Amor. Chegou em casa alvoroçado e disse para a esposa: 
-Aurinha, vamos para Uberaba. Arrume as malas. 
Ela olhou para o marido e ponderou que tinham três crianças pequenas, que exigiam cuidados. 
-Vá você, disse ela. E depois me conte. 
Na madrugada, ele despertou e preparou-se para partir. A esposa o beijou e lhe entregou um embrulho: 
-Amor, eu não poderei ir ver o Chico. Mas fiz um bolo para ele. 
Pelos longos quilômetros até Uberaba, ele foi pensando o que diria ao médium tão admirado e tão amado. Quando se aproximaram da casa de Chico, viu a fila enorme, aguardando para falar com ele. César entrou na fila. O coração pulsava acelerado. Foi quando sentiu um ponto de perfume. Era um ponto mesmo. Aquele perfume não se espalhava. 
-Que coisa estranha! – Pensou. 
Um ponto de perfume localizado. Olhou para os lados. As pessoas pareciam não sentir aquele aroma tão bom. A fila foi andando. Finalmente, ele estava em frente ao Chico. Estava tão emocionado que não conseguia falar. Ficou olhando aquele homem simples e tão extraordinário. Qualquer coisa que dissesse poderia estragar o momento tão especial. Naqueles poucos segundos, Chico levantou os olhos, sorriu e disse: 
-O Espírito Sheila foi receber você lá na porta, não é mesmo? 
César ficou mais emocionado. O ponto de perfume que ele sentira fora a presença espiritual de Sheila, que costuma, quando se aproxima, exalar delicado perfume, normalmente percebido pelos presentes. Como continuasse imóvel frente ao médium, Chico esticou a mão, pegou o embrulho e com sua voz doce e inesquecível, falou: 
-Diga à Dona Aurinha que fico muito agradecido pelo bolo que ela fez para mim, com tanto carinho. 
Quando se deu conta, César estava do lado de fora, no pátio da casa. Ele estivera frente ao Chico e não dissera uma palavra. Mas, tudo o que acontecera, calara fundo em sua alma. Especialmente, Chico saber o nome da sua esposa e que ela havia feito um bolo para ele.
* * * 
Muitos casos existem relatados por aqueles que estiveram próximos a Chico Xavier. 
Casos que dizem da sua extraordinária mediunidade, e da não menos extraordinária humildade. 
Um homem que se sentava para receber as pessoas, que tinha uma palavra de bom ânimo e ternura para cada um. 
Um homem que beijava as mãos de quem beijasse as suas, em retribuição. 
Um homem simples. 
Um homem que viveu mais de noventa anos nesta Terra e somente semeou o bem. 
Partiu tão delicadamente como vivera. 
Como ele mesmo anunciara, partiu num dia em que a nação estava feliz: comemorava o pentacampeonato mundial de futebol. 
Para todos os que cremos na Imortalidade da alma, a certeza de que Francisco Cândido Xavier não morreu, somente retornou ao lar primitivo, ao mundo espiritual, depois da exitosa jornada terrena. 
Também de que prossegue no trabalho do bem e do amor. 
Redação do Momento Espírita, com base no artigo A primeira vez é inesquecível – um bolo e uma cirurgia, de César Soares dos Reis, da Revista Cultura Espírita, julho 2017. 
Em 20.11.2017.

terça-feira, 22 de março de 2022

SIMPLES, SEM O SABER

GUILHERME DE ALMEIDA
Simplicidade... Felicidade...
Ser como as rosas, o céu sem fim,
a árvore, o rio... Por que não há
De ser toda gente também assim?

Ser como as rosas: bocas vermelhas
que não disseram nunca a ninguém
que têm perfumes... Mas as abelhas
e os homens sabem o que elas têm!

Ser como o espaço que é azul de longe,
de perto é nada... Mas quem vê
árvores, aves, olhos de monge...
Busca-o sem mesmo saber por quê.

Ser como o rio cheio de graça,
que move o moinho, dá vida ao lar,
fecunda as terras... e, rindo, passa,
despretensioso, sempre a cantar,

ou ser como a árvore: aos lavradores
dá lenha e fruto, dá sombra e paz;
dá ninho às aves; ao inseto flores...
Mas nada sabe do bem que faz.

Felicidade – sonho sombrio!
Feliz é o simples que sabe ser
como o ar, as rosas, a árvore, o rio:
simples, mas simples sem o saber.
* * * 
É bastante curioso como nossos excessos de raciocínio, em muitas ocasiões, não passam de doidices da nossa mente, dominada por incompreensíveis doses de vaidade ou de orgulho. Criamos, em nossa invigilância, certos padrões convencionais de conduta, que nos impedem qualquer acesso à verdadeira luz. Dentro deles, cochilamos à maneira de pássaros aprisionados que encarcerassem as próprias asas em estreitas limitações. Contudo, quando entendemos que a vida se renova, todos os dias, quando percebemos que todos os minutos constituem oportunidades de corrigir e aprender, auxiliar e redimir, entramos na posse da simplicidade real. E sempre acessível à fixação de novos painéis de amor e sabedoria, paz e luz, em nosso íntimo. Percebamos que as grandes almas que vieram ao mundo, desde Jesus, o Mestre Maior, passando pelos Seus discípulos mais dedicados, até os que atuaram em regiões do globo, na seara de outras crenças, todos cultivaram a simplicidade. Não apenas a simplicidade do não apego aos bens materiais, mas a simplicidade na maneira de viver, de resolver as questões mais sérias da existência. Em linguagem atual: Não complicaram a vida. A inteligência desenvolvida, associada à moral ainda deficitária, por vezes, nos coloca em situações de complicações desnecessárias. O orgulho adora o complexo, pois lhe alimenta a arrogância. E o complexo lhe parece sinal de envergadura espiritual, lhe dando a falsa noção de poder diante dos outros, fracos e simplórios. Ledo engano. Armadilha dessa chaga que ainda consome as entranhas das nossas almas. Por isso, a mensagem do simples sem o saber é preciosa. A simplicidade tem um quê de ingenuidade, de pureza de coração. Dessa forma, guardemos o espírito de surpresa, diante do mundo. Diante da estrada que o Alto nos destinou, convertamos a nossa ligação com o Pai Celeste em laço essencial de nosso coração com a vida. Estejamos convictos de que cada instante será, para nós, glorioso passo no conhecimento superior ou na direção do céu. Tenhamos em mente o convite do Cristo: Simples como as pombas.
Redação do Momento Espírita, com transcrição do poema Simplicidade, Felicidade, de Guilherme de Almeida, do livro Poesia Brasileira para a Infância, de Cassiano Nunes e Mário da Silva Brito, ed. Saraiva e com base no cap. X, do livro Trilha de Luz, pelo Espírito Emmanuel, psicografia de Francisco Cândido Xavier, ed. IDE. 
Em 22.3.2022

segunda-feira, 21 de março de 2022

O SENTIDO DA VIDA

Você já reparou como é difícil, algumas vezes, ter respostas para algumas dúvidas do dia a dia? 
Ter respostas para essas perguntas que nos surgem quando estamos na fila do supermercado, ou escovando os dentes ou parados no sinaleiro, dentro da condução?
Você já não teve dessas perguntas que, um dia, sem pedir licença, entram em nossa mente e ficam rodando, rodando, até que desistimos delas, ou as guardamos no fundo, bem no fundo do baú de nossa mente? 
Quem de nós já não se perguntou por que nascemos em situações tão diferentes? 
E quanto às nossas capacidades, será que Deus nos criou assim tão diferentes uns dos outros? 
E por que Ele permite haver uns na Terra com tanto e outros com tão pouco? 
Ou ainda, por que pessoas boas sofrem, passam por provas, por dificuldades, dores? 
Se Deus é soberanamente bom e justo, se Deus é, na profunda síntese do Evangelista, amor, qual a razão disso tudo? 
Qual o sentido de todas essas coisas, aparentemente tão incoerentes? 
Na verdade, quando essas perguntas nos surgem, é nossa intimidade buscando respostas para o sentido da vida. 
São perguntas que a Filosofia vem se fazendo, desde há muito, e que refletem o anseio que cada um de nós traz na intimidade: 
-Afinal, qual o sentido da vida? Por que estamos aqui?
Deus, ao nos matricular na escola da vida, deseja de nós que o aprendizado aconteça. 
Como todo pai, ao matricular seu filho na escola, Ele espera que aprendamos a lição. 
Nos bancos escolares, nos matriculamos para aprender a escrever, a manipular os números, a entender um pouco as leis da Física, da Química e de tantas outras ciências.
E na escola da vida, o que temos que aprender? 
Jesus, no Seu profundo entendimento das Leis de Deus, foi firme ao nos ensinar que o maior mandamento da Lei do Pai é o do amor. 
Assim, podemos entender que, quando matriculados na escola da vida, na escola que Deus nos oferece, Ele espera de nós essa única lição: aprender a amar. 
Dessa forma, todas as oportunidades que a vida nos oferece, são oportunidades para aprendermos a amar.
Seja na situação financeira difícil, ou no físico comprometido, estão aí, para nós, as melhores lições para amar. 
A doença que nos surge, de maneira inesperada, é o convite à resignação e fé. 
O chefe difícil, intempestuoso, nos convida à compreensão. 
O filho exigente é a oportunidade da paciência e do desvelo. 
O marido tirano, a esposa intransigente são os portadores do convite à humildade e compreensão. 
A cada esquina, o que a vida nos oferece, seja da forma como ela nos oferece, sempre traz consigo oportunidade bendita do aprender a amar. 
Você já reparou nisso? 
E o aprender a amar se faz no exercício diário desse sentimento, desdobrado nos inúmeros matizes que ele guarda em si, nas mais variadas virtudes que ele permite ser vivido. 
Seja onde a vida nos colocar: no corpo doente, no lar carente, na família difícil, ali estará nossa melhor lição para amar. 
Tenha sempre em mente que o maior sentido da vida é conseguir perceber e entender que ela guarda, em cada oportunidade, em cada desafio que nos oferece, bendita lição para aprender a conjugar o verbo amar. 
Redação do Momento Espírita. 
Em 21.3.2022.

domingo, 20 de março de 2022

O HOMEM RICO

Era um rico fazendeiro. 
Enriquecera repentinamente, graças a uma herança de parente afastado que morrera, sem deixar outros herdeiros. Tão logo tomou posse da imensa propriedade, mostrou-se arrogante e orgulhoso. Sabia somente exigir. As palavras Por favor e Obrigado jamais chegavam aos seus lábios. Eram somente ordens grosseiras, mandos e desmandos. Se um empregado cometia uma pequena falha, era tratado com muita grosseria. Se alguma enfermidade tomava conta de um deles, logo tratava de o mandar embora da fazenda. Às vezes, nem lhe pagava todos os direitos trabalhistas. Ele se considerava o rei daquele local. Ninguém tinha maior poder que ele. Era exigente no cardápio das refeições e se o alimento estivesse com menos sal, ou quente demais, ou não tão gostoso como esperava, coitada da cozinheira. Ouvia, durante horas, os seus gritos e ameaças. É claro que, com tal atitude, ele não tinha amigos. Os serviçais permaneciam ao seu lado muito mais pela necessidade de emprego do que por qualquer outro motivo. Certo dia, em que estava deitado em sua rede, debaixo das árvores, tomando delicioso refresco, ouviu os gritos de uma mulher que suplicava ajuda. O filho de três anos caíra em um buraco. Para retirá-lo seria necessário um carro de tração para descer um homem aos poucos e o retirar de lá. Ele possuía o carro. Talvez pudesse emprestá-lo e também dois empregados para ajudá-la a salvar o filho. O homem se enraiveceu. Quem era aquela mulher que invadia a sua propriedade daquele jeito? O que é que ele tinha a ver com o problema dela? O filho era dela. Ela que resolvesse a situação. E a expulsou de suas terras. Passados uns dias, ele amanheceu doente. Naturalmente, alimentando tanta raiva, se intoxicara. Amanheceu inchado. Não podia andar, nem se mexer. Mal falava porque a língua inchara demais. Foram chamados médicos que cobraram uma fortuna, lhe deram muitos remédios e não conseguiram curá-lo. Um dia, em que as dores mais o atormentavam, ele ordenou ao seu servidor particular que procurasse alguém que o curasse. O bom criado saiu e voltou hora depois com uma mulher, que logo começou a tratá-lo. Iniciou orando ao lado do seu leito. Durante dias, serviu-lhe a alimentação, e lhe tratou a febre. Usava de carinho para lhe dar o banho, colocava almofadas para que tivesse reduzido o desconforto. Esmerava-se no atendimento. Quando ele se queixava de dores, ela fazia compressas e orava. Acarinhava-o e lhe falava da igualdade entre os homens. Ricos e pobres, bons e maus, bonitos e feios, perfeitos e deficientes. Aos poucos, ele foi se sentindo tocado por aquela mulher, por aquelas palavras e, um dia, lhe perguntou, já bem melhorado seu estado de saúde: 
-Quem é você, afinal? 
-Não me reconhece? Ela perguntou. 
Só então o rico fazendeiro percebeu que a sua benfeitora era aquela mulher que o procurara para que ele lhe salvasse o filho. 
* * * 
Não desprezemos a ninguém porque, em síntese, o Divino Pai nos colocou no mundo, como filhos Seus, para que nos auxiliemos mutuamente. 
Deus materializa o Seu auxílio através dos braços e mãos dos homens. 
E fala do Seu amor pela boca dos que servem a seus irmãos, sem considerar cor da pele, posição social, raça ou crença religiosa. 
Redação do Momento Espírita, com base em história do livro O melhor é viver em família, v. 9, de Marilena Mota Alves de Carvalho, Vera Verônica do Nascimento Cavalcanti, Berenice Castro Gonçalves Leite e Nancy Medeiros, ed. Celd. 
Em 29.10.2010.

sábado, 19 de março de 2022

O HOMEM QUE PLANTAVA ÁRVORES

Conta a história que, em meados do ano 1905, Elezéard Bouffierd, um homem com pouco mais de cinquenta anos, passou a morar sozinho em uma região montanhosa da França, no vale da Provença. Nessa época, as terras estavam devastadas e nada crescia além das lavandas silvestres. Uma desolação total. Havia secura por toda parte e, para que ele pudesse sobreviver ali, extraía água de uma fenda natural e profunda. Diariamente esse camponês dedicava-se ao trabalho de examinar, com muita atenção e cuidado, várias sementes de carvalho. Escolhia as melhores e as separava em grupos de dez. Depois saía a caminhar pelas montanhas, levando consigo um comprido bastão de ferro e os grãos anteriormente selecionados. No alto das colinas, fazia buracos com o bastão, depositava as sementes e as cobria com terra. Plantava carvalhos numa terra que não era sua. A cada dia, com extremo cuidado e em completa solidão, aquele homem plantava cem grãos. Calculava que já havia semeado cem mil árvores desde que iniciara essa tarefa. Supunha que vinte mil brotariam. Dessas, perderia metade devido aos imprevistos da natureza. Em seu cálculo, restariam então dez mil carvalhos que iriam crescer em um lugar onde antes não havia nada. Rogava sempre a Deus que lhe permitisse viver ainda por muitos anos, para que pudesse continuar a plantar. Mantinha também um canteiro cheio de mudas de faias, árvore tipicamente europeia. Passados cinco anos do plantio das primeiras sementes e mudas, surgiu nas colinas uma espécie de bruma cinzenta que as cobria como um tapete. Na sequência do tempo, passados mais dez anos, num espetáculo impressionante, os carvalhos haviam crescido e se transformado numa floresta. As faias tinham vencido as intempéries e as bétulas formavam um admirável bosque. Tudo saído das mãos e da alma de um único homem que, sem utilizar nenhum meio técnico, perseverou até a velhice, na sua inabalável tarefa de plantar árvores, confiando apenas em seus simples recursos. Como símbolo máximo do renascimento, a água corria em riachos que antes estavam secos, num impressionante efeito natural de reação. Ao se observar aquela beleza indescritível era possível a conclusão de que podemos ser tão eficazes quanto Deus em algumas instâncias. Toda a semeadura parecia ter acontecido de uma forma natural, ninguém suspeitaria que fosse obra de uma única pessoa. O trabalho calmo e regular, a frugalidade e, sobretudo, a serenidade da alma, transformaram aquele homem em um colaborador de Deus. 
* * * 
Com um exemplo de simplicidade e amor à natureza, esse homem demonstrou a nossa capacidade de sermos co-criadores da obra Divina. 
As sementes por ele plantadas representam a esperança de que somos capazes de modificar, para melhor, o local onde vivemos, legando para as futuras gerações um mundo mais belo e promissor. 
Redação do Momento Espírita, com base no curta O homem que plantava árvores, ganhador do Oscar de 1988, de melhor curta de animação. 
Em 20.09.2012.

sexta-feira, 18 de março de 2022

O HOMEM QUE NÃO SE IRRITAVA

Em cidade interiorana havia um homem que não se irritava e não discutia com ninguém. 
Sempre encontrava saída cordial, não feria a ninguém, nem se aborrecia com as pessoas. 
Morava em modesta pensão, onde era admirado e querido. 
Para testá-lo, seus companheiros combinaram levá-lo à irritação e à discussão, numa determinada noite em que o levariam a um jantar. 
Trataram todos os detalhes com a garçonete que seria a responsável por atender a mesa reservada para a ocasião. 
Assim que iniciou o jantar, como entrada foi servida uma saborosa sopa, que o homem gostava muito. 
A garçonete chegou próxima a ele, pela esquerda, e ele prontamente, levou seu prato para aquele lado, a fim de facilitar a tarefa. 
Mas ela serviu todos os demais e, quando chegou a vez dele, foi embora para outra mesa. 
Ele esperou calmamente e em silêncio, que ela voltasse.
Quando ela se aproximou outra vez, agora pela direita, para recolher o prato, ele levou outra vez seu prato na direção da jovem, que novamente se distanciou, ignorando-o. 
Após servir todos os demais, passou rente a ele, acintosamente, com a sopeira fumegante, exalando saboroso aroma, como quem havia concluído a tarefa e retornou à cozinha. 
Naquele momento não se ouvia qualquer ruído. 
Todos observavam discretamente, para ver sua reação.
Educadamente ele chamou a garçonete, que se voltou, fingindo impaciência e lhe disse: 
-O que o senhor deseja? 
Ao que ele respondeu, naturalmente: 
-A senhora não me serviu a sopa. 
Novamente ela retrucou, para provocá-lo, desmentindo-o:
-Servi, sim senhor! 
Ele olhou para ela, olhou para o prato vazio e limpo e ficou pensativo por alguns segundos... 
Todos pensaram que ele iria brigar... 
Suspense e silêncio total. 
Mas o homem surpreendeu a todos, ponderando tranquilamente: 
-A senhorita serviu sim, mas eu aceito um pouco mais!
Os amigos, frustrados por não conseguir fazê-lo discutir e se irritar com a moça, terminaram o jantar convencidos de que nada mais faria com que aquele homem perdesse a compostura. 
* * * 
Bom seria se todas as pessoas agissem sempre com discernimento em vez de reagir com irritação e impensadamente. 
Ao protagonista da nossa singela história não importava quem estava com a razão, e sim evitar as discussões desgastantes e improdutivas. 
Quem age assim sai ganhando sempre, pois não se desgasta com emoções que podem provocar sérios problemas de saúde ou acabar em desgraça. 
Muitas brigas surgem motivadas por pouca coisa, por coisas tão sem sentido, mas que se avolumam e se inflamam com o calor da discussão. 
Isso porque algumas pessoas têm a tola pretensão de não levar desaforo para casa, mas acabam levando para a prisão, para o hospital ou para o cemitério. 
Por isso a importância de aprender a arte de não se irritar, de deixar por menos ou encontrar uma saída inteligente como fez o homem no restaurante. 
* * * 
A pessoa que se irrita aspira o tóxico que exterioriza em volta, e envenena a si mesma. 
Redação do Momento Espírita, com base em história de autoria ignorada. Disponível no livro Momento Espírita, v. 3, ed. FEP. 
Em 27.6.2013.

quinta-feira, 17 de março de 2022

O HOMEM NO MUNDO

Observar a atual situação do mundo, por vezes, é desanimador. 
Em toda parte há violência, desonestidade e sofrimento.
Ante esse contexto, alguns experimentamos o desejo de nos desvincularmos da vida em sociedade. 
A pretexto de nos mantermos em paz, procuramos conviver o mínimo possível com parentes, vizinhos e colegas de trabalho. 
Para nos justificarmos perante a própria consciência, buscamos embasamento nas palavras do Cristo.
Afirmamos que, como o reino de Deus não é deste mundo, então o mundo não tem muito valor. 
Tendo em vista que a riqueza e os prazeres materiais dificultam o acesso ao reino dos céus, o melhor é abdicar deles de vez. 
Nessa linha de pensar, o caminho da redenção parece ser o afastamento total. 
Ao longo da História, não faltaram congregações dedicadas à vida contemplativa. 
Ocupados em louvar a Deus, seus membros não mantinham contato com os sofredores. 
Ocorre que o conjunto da mensagem do Cristo não encoraja o isolamento. 
A própria vida do Messias demonstra o contrário. 
Jesus jamais se furtou de conviver com o povo ignorante.
Ele afirmou, textualmente, que os sãos não necessitam de médico. 
Conviveu com prostitutas, ladrões e desequilibrados de toda ordem. 
A todos amou, amparou e esclareceu. 
Se nos afirmamos cristãos, não podemos ignorar a clareza dos exemplos dados por Ele. 
Ademais, Jesus afirmou que toda a Lei Divina resume-se em amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. 
É incoerente amar a Deus acima de tudo, mas desprezar o mundo que Ele criou. 
O amor ao Criador é revelado por nossas tentativas de entender e respeitar a Sua obra. 
O papel que nos cabe, no concerto da Criação, é colaborar para que a sociedade em que estamos inseridos se aprimore. 
Quem ama a Deus não pode desistir quando o bom combate está apenas começando. 
Por outro lado, o amor ao próximo também se insere no resumo das Leis Divinas feito por Jesus. 
Não é possível manifestar esse amor fugindo do semelhante. 
Para cumprir a Lei Divina, impõe-se sejamos solidários uns com os outros. 
Quem pode e sabe mais, deve auxiliar e esclarecer. 
É necessário que nos amparemos, não que nos evitemos. 
Constitui rematado equívoco achar que a preservação da paz implica afastamento dos semelhantes. 
A paz pressupõe a consciência tranquila pelo dever bem cumprido. 
Nosso dever é evidenciado pela vida, ao nos colocar em determinado contexto familiar e social. 
Conquistamos nosso aprimoramento e a paz vivendo nesse ambiente de forma nobre e pura. 
A tarefa do cristão não é fugir do mundo, mas abandonar as ilusões. 
O céu não é um local, mas um estado de consciência em harmonia com as Leis Divinas. 
Como a Lei Divina se resume no amor, ninguém conquista o paraíso ignorando o sofrimento alheio.
Assim, vivamos no mundo com sabedoria. 
Quaisquer que sejam os nossos recursos e talentos, busquemos utilizá-los na construção de um mundo melhor. 
Esta é a nossa missão. 
Redação do Momento Espírita. 
Em 22.1.2022.

quarta-feira, 16 de março de 2022

O FILHO

Um homem muito rico e seu filho tinham grande paixão pela arte. Possuíam valiosa coleção. Quando o conflito do Vietnã surgiu, o filho foi convocado. Durante uma batalha, ao resgatar um companheiro ferido, ele foi morto. O pai sofreu profundamente. Um mês mais tarde, um jovem veio à sua casa, com um enorme pacote nas mãos e falou: 
-Eu sou o soldado pelo qual seu filho deu a vida. Salvou muitas vidas naquele dia e estava me levando a um lugar seguro, quando uma bala o atingiu no peito e ele morreu. Ele me falava do seu amor pela arte. Por isso, eu gostaria que o senhor aceitasse este presente. Não sou um grande artista, mas acredito que seu filho gostaria se o senhor o recebesse. 
O pai abriu o pacote e admirou a maneira como o soldado tinha retratado a personalidade do seu filho na pintura. Agradeceu ao soldado e se ofereceu para lhe pagar pelo quadro. 
-Não, falou o rapaz. Eu nunca poderia pagar pelo que seu filho fez por mim. É um presente. Aceite-o, com a minha gratidão. 
O pai pendurou o quadro acima da lareira e, cada vez que visitantes e convidados chegavam à sua casa ele lhes mostrava o retrato do filho, antes de sua famosa galeria. Quando aquele pai morreu, realizou-se um leilão em sua propriedade. Eram grandes as expectativas. Iniciando, o leiloeiro bateu o seu martelo e falou:
-Começaremos o leilão com este retrato do seu filho. Quem fará a primeira oferta? 
Fez-se um grande silêncio. 
Alguém gritou: 
-Queremos ver as pinturas famosas! 
O leiloeiro insistiu: 
-Alguém oferece algo por esta pintura? Cem mil dólares? Duzentos mil dólares? 
Outra voz gritou com raiva: 
-Não viemos aqui por esta pintura! Viemos para ver as de Van Gogh, Rembrandt, Rafael, Picasso... 
Ainda assim, o leiloeiro continuou: 
-O filho, quem vai levar “O filho”?! 
Finalmente, uma voz se fez ouvir: 
-Eu dou dez dólares! 
Era o velho jardineiro da casa. Era só o que podia oferecer. 
-Temos dez dólares. Quem dá vinte? Gritou o leiloeiro. 
E outra reclamação soou: 
-Mostra-nos de uma vez as obras de arte! 
-Dez dólares pela oferta! Alguém oferta vinte? 
Os presentes estavam inquietos. Todos queriam os quadros famosos para suas próprias coleções. Por fim, o leiloeiro bateu o martelo e sinalizou a efetivação da venda do quadro por dez dólares! 
Alguém exclamou, feliz: 
-Até que enfim. Vamos à coleção! 
Para surpresa geral, o leiloeiro soltou o martelo e disse:
-O leilão chegou ao fim. Quando me chamaram para dirigir este leilão, foi-me falado de uma condição estipulada no testamento do dono da coleção. Eu não estava autorizado a revelar até ser efetivada a venda do primeiro quadro. Saibam que somente a pintura do filho seria leiloada. Aquele que a adquirisse herdaria todos os bens do falecido, incluindo sua coleção de obras de arte. Assim, o homem que ficou com o retrato do filho herdou tudo. 
* * * 
Não há bem mais valioso para o coração de um pai do que a preciosidade de um filho. 
O verdadeiro afeto se constitui num dos mais valiosos e duradouros patrimônios da alma. 
Redação do Momento Espírita, com base em conto de autoria ignorada. 
Em 16.3.2022

terça-feira, 15 de março de 2022

ÁGUAS CRISTALINAS

As tão almejadas férias chegaram. 
Reservara para si algumas semanas num chalé, a fim de se distanciar da balbúrdia da cidade grande. Quando lá chegou, deitou-se no confortável sofá e começou a ler um romance que trouxera consigo. Em certo momento, interrompeu a leitura para preparar um chá. Nesse instante, observou, em cima da lareira, um livro. Tomou-o em suas mãos. Na capa, escrito em letras douradas, lia-se Bíblia Sagrada. É bem verdade que nunca fora apreciador de religiões. Não se julgava ateu, não negava a existência de uma força maior que rege o Universo. Porém, não se sentia capacitado para compreendê-la. Assim, depois de abrir o livro e de ler alguns trechos, sem maior interesse, devolveu-o no mesmo local no qual o encontrara. Dias depois, decidiu fazer um passeio pela floresta próxima ao chalé. Encontrou cachoeiras, animais, flores belíssimas, os mais doces cheiros. Uma profunda paz. Entretanto, por ter se distanciado muito, acabou por se perder mata adentro. Horas se passaram. Estava exausto. Todos os caminhos que tomava pareciam idênticos. Num instante de desespero, pensou:
-Meu Deus, que faço agora? 
Lembrou-se do trecho bíblico, que lera poucos dias antes: 
-O Senhor é meu pastor, nada me faltará. 
Sentindo-se um pouco desconfortável, pois pouquíssimas vezes orara em sua vida, pediu a Deus que o ajudasse a encontrar o caminho de volta. Enquanto andava a esmo, repetia aquilo que se tornara um mantra frente ao desespero: 
-O Senhor é meu pastor, nada me faltará. 
Pouco tempo depois, avistou a lâmpada da varanda do chalé brilhando longe. Correu aliviado, abriu a porta e exclamou, com toda a sinceridade de seu coração:
-Obrigado, meu Deus! 
Então, tomou a Bíblia novamente em mãos, procurou ansioso o delicado poema e leu para si todos os versos, bebendo cada palavra: 
-O Senhor é o meu pastor, nada me faltará. Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranquilas. Refrigera a minha alma; guia-me pelas veredas da justiça, por amor do seu nome. Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam. Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos, unges a minha cabeça com óleo, o meu cálice transborda. Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida. E habitarei na casa do senhor por longos dias. 
* * * 
Eu sou a luz do mundo. 
Quem me segue, nunca andará em trevas, mas terá a luz da vida, sentenciou o Mestre Nazareno. 
Não obstante o Cristo tenha deixado pegadas seguras em nosso caminho para que O sigamos, é tão fácil nos perdermos na senda que nos conduz ao progresso, à felicidade, à paz. Imperioso que façamos um profundo mergulho em nós mesmos, ouvindo a voz divina que está em colóquio incessante conosco. 
Tenhamos a humildade e a coragem de segui-La, pois, embora nos percamos nos vales das sombras de nossas mazelas morais, o Senhor é o pastor que nos guia em direção às águas tranquilas e cristalinas de Seu puro e infinito amor. 
Pensemos nisso! 
Redação do Momento Espírita, com transcrição do cap. 23, do livro bíblico Salmos e do versículo 12, do capítulo 8, do Evangelho de João. 
Em 15.3.2022

segunda-feira, 14 de março de 2022

UMA VINGANÇA DIFERENTE

Edith Eva Eger
Quem de nós, algum dia, por alguma situação, não sentiu muita revolta? 
Revolta em que se misturam raiva, mágoa, e, por vezes, um desejo de vingança. 
A vingança, dizem, é um prato que se come frio. 
Isso quer dizer que deve ser bem elaborada. 
Equivale a ocupar os espaços sagrados do coração com um sentimento que somente infelicita a quem o carrega.
Precisamos aprender a não guardar rancor e nem arquitetar vingança. Afinal, quem nos ofende, quem nos agride, nem sempre entende que o fez. Quase sempre, a pessoa é tão infeliz, que fere, sem mesmo se dar conta.
E aqueloutros que apreciam fazer o mal, depreciar o semelhante, por pura maldade, não são menos infelizes.
Afinal, tudo o que fazemos de mal ao outro, se constitui em nosso débito perante a Lei Divina. 
Mais dia, menos dia, a dívida deverá ser saldada. 
Por isso, a recomendação do Cristo de se perdoar setenta vezes sete vezes. 
E, ao estabelecer a norma, não disse que deveríamos perdoar somente a alguns. 
Apresentou a diretriz, para todos, de forma indistinta. 
Seu ensino tem a ver com paz de espírito, com não criar vínculos de ódio, com sermos livres, vivermos com o que nos felicita a vida. 
Existem, no entanto, algumas pessoas que têm uma forma peculiar de arquitetar a sua vingança. 
Lembramos da ginasta húngara que, aos dezesseis anos, se preparava para as Olimpíadas. 
A de 1944 fora suspensa, em função da guerra. 
Isso lhe deu maiores esperanças de conseguir se qualificar para representar o seu país, na ginástica olímpica, depois do conflito mundial. 
Ela pensou que teria mais tempo. 
Adolescente, nem avaliou as tristes condições que a guerra fomentava. 
Embora as tantas sanções que, como judeus, sofriam ela e sua família, tudo ainda lhe parecia distante. 
Ela disfarçava a estrela amarela, que devia trazer ao peito, por baixo do casaco. 
Confiante em sua treinadora, pensava que se conseguisse absorver tudo o que ela tinha para lhe ensinar, grandes conquistas a aguardariam. 
Quando a treinadora a chamou, para conversar a sós, ficou exultante. 
-Será que ela percebera o quanto tinha melhorado no salto? 
-Será que iria lhe dizer que gostaria que liderasse a equipe nos treinos? 
Foi assim, entre expectativas, que a ginasta observou o rosto da treinadora, iluminado por aquele pôr do sol e ouviu: 
-Edite, sinto muito. A decisão não foi minha. Preciso lhe dizer que sua vaga na equipe de treinamento olímpico vai para outra pessoa. 
-Como assim? O que foi que eu fiz? – Foi a reação da jovem. 
-A verdade simples é que por causa da sua origem judia você não está mais qualificada. 
Enquanto Edite procurava se recuperar da surpresa, ainda ouviu: 
-Gostaria que você treinasse a garota que a substituirá na equipe. 
Então, Edite elaborou a sua grande vingança. 
Mostraria que ela era a melhor. 
A atleta mais talentosa. 
A melhor treinadora. 
Prepararia a sua substituta tão bem que provaria a todos o erro que cometeram ao cortá-la da equipe. 
Não seria uma vingança de ódio. 
Seria uma vingança de perfeição. 
Uma vingança construtiva. 
Pensamos nisso, alguma vez? 
Redação do Momento Espírita, com base em fatos colhidos no cap. 1, do livro A bailarina de Auschwitz, de Edith Eva Eger, ed. Sextante. 
Em 14.3.2022.