quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

QUADRO FAMILIAR

Ronaldo José Lungatto
Uma cena, como uma pintura, desenha-se à nossa frente: um homem compenetrado, pai de família, estudando para a fase final de seu doutorado. 
No ambiente tranquilo, ouvem-se alguns passos apressados e leves. 
Era Sarah, sua filhinha. 
-Papai, você quer ver meu desenho? 
Perguntou ela, com brilho nos olhos. 
Sem olhar para ela, o pai respondeu, com calma: 
-Sarah, papai está ocupado. Volte um pouco mais tarde, querida. 
Dez minutos depois, ela volta à biblioteca, dizendo: 
-Papai, me deixa mostrar o meu desenho? 
-Sarah, meu amor, volte mais tarde. Isto que estou fazendo é importante. 
Respondeu ele. 
Três minutos depois ela entra novamente, fica a um palmo do nariz do pai e fala com todo poder que um comandante de cinco anos de idade poderia conseguir: 
-Você quer ver ou não? 
-Não, eu não quero. 
Retorquiu o homem, sem pensar muito no que havia dito. 
Com isso, ela zuniu para fora e o deixou só. 
De alguma maneira, ele não estava tão satisfeito quanto pensou que ficaria. 
Sentiu-se como que puxado, e foi até a porta da frente. 
-Sarah! – ele chamou – Você poderia entrar um minuto, por favor? Papai gostaria de ver o seu desenho. 
Ela entrou sem reclamações e se atirou em seu colo. 
Era um grande quadro. 
No alto, com sua melhor letra, estava escrito: Nossa família. 
-Explique-me o quadro. – Pediu ele. 
Com os pequeninos dedos de sua mão, ela descreveu: 
-Aqui é a mamãe (uma figura de palito com cabelo longo, amarelo e ondulado). Aqui sou eu, do lado de mamãe. Aqui é Katie (nosso cachorro). E aqui é Missy (a pequenina irmã). 
-Adorei seu desenho, querida. – elogiou o pai, sorrindo.- Vou pendurar na parede da sala de jantar, e toda noite, quando eu voltar para casa, eu vou olhar para ele. 
Ela sorriu, de orelha a orelha, e foi brincar. 
Ele ficou intranquilo. 
Algo sobre o desenho de Sarah. 
Alguma coisa estava faltando. 
Foi até a porta da frente e voltou a chamar a filhinha. 
-Posso ver seu desenho, outra vez? 
Ela o apanhou rapidamente e, logo, estava no colo do pai, animada. 
Foi, então, que ele fez uma pergunta, da qual não estava certo de que gostaria de ouvir a resposta: 
-Querida... Tem a mamãe, e Sarah, e Missy, e até Katie em seu desenho. Tem também sol, nossa casa e muitos pássaros. Mas, Sarah, onde está seu papai? 
Depressa, ela respondeu, nem sequer imaginando a lição que estava prestes a dar a seu pai: 
-Você está na biblioteca! 
Com aquela declaração simples, Sarah fez parar o tempo para seu pai.
Erguendo-a, suavemente, ele a mandou de volta para brincar ao sol da primavera. 
Algumas semanas se passaram, e ele tornou-se doutor.
Então, certa noite, ainda com o coração apertado, conversando com sua esposa antes de dormir, fez-lhe a seguinte pergunta: 
-Bárbara... Eu quero voltar para casa. Posso? 
Vinte segundos de silêncio se seguiram. 
Parecia que ele havia prendido seu fôlego por mais de uma hora. 
-Gary, disse a esposa. – As meninas e eu o amamos muito. Nós o queremos em casa. Mas você não esteve aqui! Eu me senti como pai e mãe por muito tempo! 
-Aquela era a verdade clara, sem disfarce. – Pensou ele. 
Sua vida tinha sido descontrolada, sua família estava em piloto automático, e ele tinha uma longa estrada pela frente se a quisesse conquistar novamente. 
Agora, que a névoa havia se dissipado, ele estava disposto a tentar. 
E esse passou a ser o objetivo mais importante de sua vida. 
Redação do Momento Espírita, com base no texto Quadro familiar, de Ronaldo José Lungatto. Disponível no livro Momento Espírita, v. 3, ed. FEP. 
Em 17.1.2024.

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