O quadro era muito triste. Olhamos aquela mulher outra vez. E a mente rapidamente calculou os meses intermináveis que a detém ao leito de dores.
Contemplando-lhe o corpo minado pela enfermidade, o cansaço estampado na face, a memória que a trai a cada instante, com imensos lapsos de esquecimento do passado distante, quanto do ontem ainda presente, sentimos compaixão.
Imaginamos a sua vida de trabalho e operosidade. Mulher dinâmica, valorosa, criou cinco filhos quase a sós. A profissão do esposo o mantinha semanas a fio, longe do lar.
Sempre foi ela quem decidiu, opinou, escolheu. Disciplina lhe foi nota constante. Valor que passou aos cinco filhos. Disciplina de horários, na palavra, na conduta.
Dinâmica e corajosa, enfrentou enfermidades dos filhos, dificuldades financeiras imensuráveis.
Os anos se somaram. Os filhos cresceram. Casaram e constituíram a própria família.
Vieram os netos e a soma de trabalhos não cessou, pois que agora os pequeninos lhe eram deixados à guarda, por horas, sim, desde que as forças já não eram as mesmas da juventude ativa e sadia.
E então, quando o inverno dos anos lhe cobriu de neve os cabelos, intensificaram-se as dores.
Morreram-lhe em curto espaço de anos o esposo e três filhos, em circunstâncias trágicas.
Enfraqueceram-lhe ainda mais as forças e o coração ferido se deixou desfalecer.
Acresceram-lhe as inquietudes e a doença se instalou, vigorosa.
Olhando-a agora, sobre a cama, semi-desfalecida, recordamos-lhe os esforços para a preservação da vida dos filhos, pela sua educação.
Lembrando-lhe os anos de atividade e labuta, perguntamo-nos o porquê de tanto sofrimento.
As pessoas dizem que é o ciclo natural da vida.
Nascer, crescer, enfermar, morrer.
Mas a pergunta não cala em nós.
Desejamos resposta mais convincente.
Afinal, dói-nos na alma observar a debilidade e a dependência da mulher mãe, esposa, avó.
Enquanto oramos por ela, soam-nos aos ouvidos as exortações do Evangelho de Jesus:
-A cada um segundo as suas obras.
É como se pudéssemos, no recesso do Espírito, escutar a voz do Sublime Cantor Galileu, em plena natureza.
Tornamos a olhar para o corpo da enferma e agradecemos à Divindade.
Podemos agora entender a sua serenidade na dor.
Ela sabe que é a justiça de Deus que a alcança, permitindo-lhe o resgate de faltas cometidas em dias passados, de vidas anteriores.
Por isso ela sorri.
E ora.
E espera.
Aguarda os dias do reencontro com os seus amores, afirmando convicta:
-Quando Deus quiser, hei de partir. E estou me esforçando para seguir viagem vitoriosa.
* * *
Ninguém sofre de forma injusta.
Se assim não fosse, não poderíamos conceber que Deus, nosso Pai, fosse infinitamente justo e bom, pois puniria a bel prazer uns e outros, concedendo felicidade a outros tantos.
Dessa forma, cabe-nos cultivar a resignação ante os problemas que nos atingem e não podem ter seu curso alterado, por nossa vontade.
Contudo, é sempre bom lembrar que cada um de nós, sobre a Terra, pode se tornar instrumento da Divindade, para aliviar a carga do seu irmão, socorrendo.
Eis porque a fraternidade é dever.
Redação do Momento Espírita
Disponível no livro Momento Espírita, v. 6, ed. FEP.
Em 19.10.2021.
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