quarta-feira, 14 de junho de 2023

JUSTIÇA

O quadro era muito triste. Olhamos aquela mulher outra vez. E a mente rapidamente calculou os meses intermináveis que a detém ao leito de dores. Contemplando-lhe o corpo minado pela enfermidade, o cansaço estampado na face, a memória que a trai a cada instante, com imensos lapsos de esquecimento do passado distante, quanto do ontem ainda presente, sentimos compaixão. Imaginamos a sua vida de trabalho e operosidade. Mulher dinâmica, valorosa, criou cinco filhos quase a sós. A profissão do esposo o mantinha semanas a fio, longe do lar. Sempre foi ela quem decidiu, opinou, escolheu. Disciplina lhe foi nota constante. Valor que passou aos cinco filhos. Disciplina de horários, na palavra, na conduta. Dinâmica e corajosa, enfrentou enfermidades dos filhos, dificuldades financeiras imensuráveis. Os anos se somaram. Os filhos cresceram. Casaram e constituíram a própria família. Vieram os netos e a soma de trabalhos não cessou, pois que agora os pequeninos lhe eram deixados à guarda, por horas, sim, desde que as forças já não eram as mesmas da juventude ativa e sadia. E então, quando o inverno dos anos lhe cobriu de neve os cabelos, intensificaram-se as dores. Morreram-lhe em curto espaço de anos o esposo e três filhos, em circunstâncias trágicas. Enfraqueceram-lhe ainda mais as forças e o coração ferido se deixou desfalecer. Acresceram-lhe as inquietudes e a doença se instalou, vigorosa. Olhando-a agora, sobre a cama, semi-desfalecida, recordamos-lhe os esforços para a preservação da vida dos filhos, pela sua educação.
Lembrando-lhe os anos de atividade e labuta, perguntamo­-nos o porquê de tanto sofrimento.
As pessoas dizem que é o ciclo natural da vida. 
Nascer, crescer, enfermar, morrer. 
Mas a pergunta não cala em nós. 
Desejamos resposta mais convincente. 
Afinal, dói-nos na alma observar a debilidade e a dependência da mulher mãe, esposa, avó. 
Enquanto oramos por ela, soam-nos aos ouvidos as exortações do Evangelho de Jesus: 
-A cada um segundo as suas obras. 
É como se pudéssemos, no recesso do Espírito, escutar a voz do Sublime Cantor Galileu, em plena natureza.
Tornamos a olhar para o corpo da enferma e agradecemos à Divindade.
Podemos agora entender a sua serenidade na dor. 
Ela sabe que é a justiça de Deus que a alcança, permitindo-lhe o resgate de faltas cometidas em dias passados, de vidas anteriores. 
Por isso ela sorri. 
E ora. 
E espera. 
Aguarda os dias do reencontro com os seus amores, afirmando convicta:
-Quando Deus quiser, hei de partir. E estou me esforçando para seguir viagem vitoriosa.
* * * 
Ninguém sofre de forma injusta. 
Se assim não fosse, não poderíamos conceber que Deus, nosso Pai, fosse infinitamente justo e bom, pois puniria a bel prazer uns e outros, concedendo felicidade a outros tantos. 
Dessa forma, cabe-nos cultivar a resignação ante os problemas que nos atingem e não podem ter seu curso alterado, por nossa vontade. 
Contudo, é sempre bom lembrar que cada um de nós, sobre a Terra, pode se tornar instrumento da Divindade, para aliviar a carga do seu irmão, socorrendo. 
Eis porque a fraternidade é dever. 
Redação do Momento Espírita Disponível no livro Momento Espírita, v. 6, ed. FEP. 
Em 19.10.2021.

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