Diz-nos Cecília Meirelles que se fosse preciso ainda uma vez recordar a diferença profunda que existe entre a infância e a idade adulta, eu convidaria o leitor a relembrar os lugares por onde passou, quando pequeno.
Então, comparar a impressão que lhe deixavam naquele tempo com a que lhe oferecem agora.
O ambiente em que se desenvolveu a nossa meninice foi visto por nós com olhos tão diversos daqueles que veem depois as realidades do adulto, que geralmente sentimos uma enorme surpresa revendo esses lugares.
Achamo-los tão mudados... no entanto, não mudaram, eles. Mudamos nós.
As coisas... nós as víamos de perto, com um interesse e uma atenção de que já não dispomos.
Nossos sentidos, donos ainda de raras sensações, analisavam cada espetáculo, linha por linha, percorrendo-os com verdadeiro deslumbramento.
E, nessa encantadora viagem do olhar iam tecendo uma história que foi a primeira legenda, escrita por nós sobre as vidas que encontramos.
Hoje, um inseto é para nós um inseto, apenas, com um lugar determinado na História Natural.
Esse mesmo inseto foi um motivo decorativo de infinita beleza nos nossos tempos de criança.
Conhecíamos com exatidão o desenho das suas asas, a cor que tomavam, com a luz, o movimento que tinham, a resistência que lhe era peculiar.
Como eram enormes as nossas bonecas e os nossos carros! Se algum deles tivéssemos conservado até hoje, haveríamos de o achar insignificante, e ficaríamos admirados do tamanho que lhe supúnhamos.
A eminente escritora brasileira termina então por questionar:
Com toda essa diferença de visão, como querer fazer que as crianças sintam o que sentimos?
Como forçá-las a compreender o nosso mundo com as proporções que lhe damos?
Como arrancá-las ao seu prodigioso cenário, tão diverso deste que em geral se lhe quer impor, como o único autêntico?
Muito há de se pensar sobre essas questões, certamente.
Preciso se faz refletir sobre como estamos tratando nossas crianças, e ainda mais: sobre como tratamos a criança que mora em cada um de nós.
Por que perdemos esta visão acurada ao longo do tempo? Será realmente uma mudança natural, necessária, inevitável?
Não seria possível conservar, como um grande tesouro que se guarda, pelo menos um pouco dessa sensibilidade infantil?
Nós, adultos, temos muito a aprender com as crianças.
Primeiramente entendendo seu mundo, sua visão da vida, sua interpretação dos fatos, evitando exigir-lhes compreensões que são nossas apenas.
Em segundo lugar, enamorando-nos de sua sensibilidade apurada, analisando-a com cuidado, e tomando-a como exemplo.
Passemos algumas férias dentro do coração de nossos filhos, procurando viver em seu mundo por alguns instantes, de quando em vez.
Será viagem inesquecível para ambos.
Para eles será prova de amor, de companheirismo. Para nós, escola moral enriquecedora.
Redação do Momento Espírita, com base em texto
do livro Crônicas de educação, de Cecília Meirelles,
ed. Nova Fronteira.
Em 11.10.2017.
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