domingo, 11 de outubro de 2015

A ARTE DE RESOLVER CONFLITOS

Christina Feldman 
O trem atravessava sacolejando os subúrbios de Tóquio numa modorrenta tarde de primavera. Um dos vagões estava quase vazio: apenas algumas mulheres e idosos e um jovem lutador de Aikidô. O jovem olhava, distraído, pela janela, a monotonia das casas sempre iguais e dos arbustos cobertos de poeira. Chegando a uma estação as portas se abriram e, de repente, a quietude foi rompida por um homem que entrou cambaleando, gritando com violência palavras sem nexo. Era um homem forte, com roupas de operário. Estava bêbado e imundo. Aos berros, empurrou uma mulher que carregava um bebê ao colo e ela caiu sobre uma poltrona vazia. Felizmente nada aconteceu ao bebê. O operário furioso agarrou a haste de metal no meio do vagão e tentou arrancá-la. Dava para ver que uma das suas mãos estava ferida e sangrava. O trem seguiu em frente, com os passageiros paralisados de medo e o jovem se levantou. O lutador de Aikidô estava em excelente forma física. Treinava oito horas todos os dias, há quase três anos. Gostava de lutar e se considerava bom de briga. O problema é que suas habilidades marciais nunca haviam sido testadas em um combate de verdade. Os alunos são proibidos de lutar, pois sabem que Aikidô é a arte da reconciliação. Aquele cuja mente deseja brigar perdeu o elo com o Universo. Por isso o jovem sempre evitava envolver-se em brigas, mas no fundo do coração, porém, desejava uma oportunidade legítima em que pudesse salvar os inocentes, destruindo os culpados. Chegou o dia! Pensou consigo mesmo. Há pessoas correndo perigo e se eu não fizer alguma coisa é bem possível que elas acabem se ferindo. O jovem se levantou e o bêbado percebeu a chance de canalizar sua ira. Ah! Rugiu ele. Um valentão! Você está precisando de uma lição de boas maneiras! O jovem lançou-lhe um olhar de desprezo. Pretendia acabar com a sua raça, mas precisava esperar que ele o agredisse primeiro, por isso o provocou de forma insolente. 
- Agora chega! Gritou o bêbado. Você vai levar uma lição. 
E se preparou para atacar. Mas, antes que ele pudesse se mexer, alguém deu um grito: 
-Hei! 
O jovem e o bêbado olharam para um velhinho japonês que estava sentado em um dos bancos. Aquele minúsculo senhor vestia um quimono impecável e devia ter mais de setenta anos... Não deu a menor atenção ao jovem, mas sorriu com alegria para o operário, como se tivesse um importante segredo para lhe contar. 
- Venha aqui. 
Disse o velhinho, num tom coloquial e amistoso. 
- Venha conversar comigo. 
Insistiu, chamando-o com um aceno de mão. O homenzarrão obedeceu, mas perguntou com aspereza: 
-Por que diabos vou conversar com você? 
O velhinho continuou sorrindo. 
-O que você andou bebendo? 
Perguntou, com olhar interessado. 
- Saquê.
Rosnou de volta o operário. 
- E não é da sua conta! 
 Com muita ternura, o velhinho começou a falar da sua vida, do afeto que sentia pela esposa, das noites que sentavam num velho banco de madeira, no jardim, um ao lado do outro. 
-Ficamos olhando o pôr-do-sol e vendo como vai indo o nosso caquizeiro, comentou o velho mestre. 
Pouco a pouco o operário foi relaxando e disse: 
-É, é bom. Eu também gosto de caqui... 
-São deliciosos. 
Concordou o velho, sorrindo. 
-E tenho certeza de que você também tem uma ótima esposa. 
-Não, falou o operário. Minha esposa morreu. 
Suavemente, acompanhando o balanço do trem, aquele homenzarrão começou a chorar. 
-Eu não tenho esposa, não tenho casa, não tenho emprego. Eu só tenho vergonha de mim mesmo. 
Lágrimas escorriam pelo seu rosto. E o jovem estava lá, com toda sua inocência juvenil, com toda a sua vontade de tornar o mundo melhor para se viver, sentindo-se, de repente, o pior dos homens. O trem chegou à estação e o jovem desceu. Voltou-se para dar uma última olhada. O operário escarrapachara-se no banco e deitara a cabeça no colo do velhinho, que afagava com ternura seus cabelos emaranhados e sebosos. Enquanto o trem se afastava, o jovem ficou meditando... O que pretendia resolver pela força foi alcançado com algumas palavras meigas. E aprendeu, através de uma lição viva, a arte de resolver conflitos.
Redação do Momento Espírita com base em conto do livro Histórias da alma, histórias do coração, de Christina Feldman e Jack Kornfield, ed. Pioneira. Disponível no livro Momento Espírita, v. 3, ed. Fep. Em 19.04.2011.

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