quarta-feira, 26 de março de 2025

A MENINA E O PÁSSARO

RUBEM ALVES
Era uma vez uma menina que tinha um pássaro como seu melhor amigo. 
Ele era um pássaro diferente de todos os demais: era encantado. 
Os pássaros comuns vão embora, se a porta da gaiola estiver aberta, para nunca mais voltar. 
Mas o pássaro da menina voava livre e vinha quando sentia saudades... 
Suas penas também eram diferentes. 
Mudavam de cor. 
Eram sempre pintadas pelas cores dos lugares estranhos e longínquos por onde voava. 
Certa vez, voltou totalmente branco, cauda enorme de plumas fofas como o algodão. 
-Menina, eu venho de montanhas frias e cobertas de neve, tudo maravilhosamente branco e puro, brilhando sob a luz da lua, nada se ouvindo a não ser o barulho do vento que faz estalar o gelo que cobre os galhos das árvores. Trouxe, nas minhas penas, um pouco do encanto que eu vi, como presente para você... 
E assim ele começava a cantar as canções e as estórias daquele mundo que a menina nunca vira. 
Até que ela adormecia e sonhava que voava nas asas do pássaro.
Outra vez ele voltou vermelho como fogo, penacho dourado na cabeça. 
-Venho de uma terra queimada pela seca, terra quente e sem água, onde os grandes, os pequenos e os bichos sofrem a tristeza do sol que não se apaga. Minhas penas ficaram como aquele sol e eu trago canções tristes daqueles que gostariam de ouvir o barulho das cachoeiras e ver a beleza dos campos verdes. 
A menina amava aquele pássaro e podia ouvi-lo sem parar, dia após dia. 
E o pássaro amava a menina e, por isso, voltava sempre. 
Mas chegava sempre a hora da partida. 
Chorava a menina e chorava o pássaro. 
E a menina pediu ao pássaro que não mais partisse. 
-Eu vou lhe contar um segredo, disse-lhe o pássaro, as plantas precisam da terra, os peixes precisam dos rios, nós precisamos do ar... E o meu encanto precisa da saudade. É aquela tristeza, na espera da volta, que faz com que minhas penas fiquem bonitas. Se eu não for, não haverá saudades. Eu deixarei de ser um pássaro encantado e você deixará de me amar. 
Assim ele partiu. 
A menina sozinha, chorava de tristeza à noite. 
Se eu o prender numa gaiola, ele nunca mais partirá; será meu para sempre. 
Nunca mais terei saudades e ficarei feliz. 
Com esses pensamentos, comprou uma linda gaiola e ficou à espera.
Finalmente ele chegou, maravilhoso, com suas novas cores, com estórias diferentes para contar. 
Cansado da viagem, adormeceu. 
Foi então que a menina, cuidadosamente o prendeu na gaiola para que ele nunca mais a abandonasse. 
E adormeceu feliz. 
Foi acordar de madrugada, com um gemido triste do pássaro. 
-Ah! Menina... O que você fez? Quebrou-se o encanto. Minhas penas ficarão feias e eu me esquecerei das estórias... Sem a saudade, o amor irá embora... 
A menina não acreditou. 
Pensou que ele acabaria por se acostumar. 
Mas isto não aconteceu. 
O tempo ia passando e o pássaro ia ficando diferente. 
Caíram suas plumas, os vermelhos, os verdes e os azuis das penas se transformaram num cinza triste. 
E veio o silêncio. 
Também a menina entristeceu. 
Não, aquele não era o pássaro que ela amava. 
E de noite ela chorava pensando naquilo que havia feito ao seu amigo... 
Até que não mais aguentou. 
Abriu a porta da gaiola. 
-Pode ir, pássaro, volte quando quiser.... 
-Obrigado, menina. Eu tenho que partir. É preciso partir para que a saudade chegue e eu tenha vontade de voltar. Longe, na saudade, muitas coisas boas começam a crescer dentro da gente. 
E o pássaro partiu. Voou para lugares distantes. 
A menina contava os dias, e cada dia que passava a saudade crescia...
-Que bom, pensava ela, meu pássaro está ficando encantado de novo... 
E colocava flores nos vasos à espera do seu amigo... 
Sem que ela percebesse, o mundo inteiro foi ficando encantado como o pássaro. 
Porque, em algum lugar ele deveria estar voando. 
De algum lugar, ele haveria de voltar. 
À noite, a menina ia para a cama com saudades, mas também com as esperanças do reencontro renovadas. 
-Ah! Mundo maravilhoso que guarda, em algum lugar secreto do Universo, em plena liberdade, o pássaro encantado que se ama... E que um dia, com certeza, vai voltar... 
Redação do Momento Espírita, com base em história do livro A menina e o pássaro encantado, de Rubem Alves, ed. Loyola. 
Em 13.08.2012.

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