terça-feira, 7 de maio de 2024

A ALMA PERDIDA

Olga Tokarczuk
Uma história fala de um homem que trabalhava sem descanso, sempre com pressa. 
A vida seguia. 
Ele dormia, comia, jogava tênis, trabalhava. 
Mas não via graça em nada. 
Ele tinha a impressão de que tudo à sua volta ficara plano, sem encanto algum, como se ele se movimentasse numa folha quadriculada e vazia de um caderno de matemática, coberta por quadradinhos iguais e onipresentes. 
Um dia, depois de uma viagem, quando ele mal podia respirar dentro de mais um quarto de hotel, já não sabia onde estava, o que fazia ali e nem qual era o seu nome. 
Era como se não houvesse mais ninguém dentro do seu corpo... 
Procurou uma médica, que lhe foi indicada. 
Tratava-se de mulher idosa e sábia daquela região. 
Depois de examiná-lo e ouvir as suas queixas, ela lhe disse algo que mudaria toda a sua vida: 
-Se alguém pudesse nos olhar do alto, veria que o mundo está repleto de pessoas que andam apressadas, suadas e exaustas. Também veria suas almas, atrasadas e perdidas no caminho por não conseguirem acompanhar seus donos. Isso cria uma grande confusão. As almas perdem a cabeça e as pessoas deixam de ter coração. As almas sabem que ficaram sem seus donos, mas as pessoas muitas vezes nem sequer percebem que perderam a própria alma. 
-Como é possível? Será que eu também perdi minha alma?
Perguntou ele. 
A ponderada médica respondeu:
-Isso acontece porque a velocidade com que as almas se movimentam é muito menor do que a dos corpos. Escute. Você precisa achar um lugar só para si, sentar-se e aguardar com paciência a sua alma. Não vejo outro remédio. 
O homem estava em estado de choque. 
Saiu do consultório, alugou uma casinha pequena nos arredores da cidade e, todos os dias, passou a se sentar numa cadeira, esperando. 
Simplesmente esperando. 
Passaram-se dias, meses e muitas coisas começaram a surgir em sua mente. 
Lembranças de como sua vida era antigamente, lembranças da infância, quando tudo era mais simples. 
Barba e cabelo cresceram. 
Um lugar só para si. 
Foi então que, numa tarde, alguém bateu à porta. 
E quando ele a abriu, viu na soleira a sua alma perdida.
Estava cansada, suja e arranhada. 
-Finalmente! – Disse ela, sem fôlego. 
Ele observou que ela tinha as mesmas feições dele quando menino. 
Desde esse dia, tudo passou a ser diferente. 
O homem começou a prestar muita atenção para não fazer nada numa velocidade que sua alma não pudesse acompanhar. 
Enterrou no quintal todos os seus relógios e suas malas de viagem. 
Dos relógios, nasceram belas flores coloridas. 
E das malas, brotaram grandes abóboras com as quais ele se alimentou durante todos os invernos tranquilos que se seguiram. 
* * * 
Esta história se chama A alma perdida
É da escritora polonesa Olga Tokarczuk, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura de 2019 e leva-nos a refletir: 
Quantas vezes nos perdemos de nossa alma? 
Quantas vezes nos perdemos de nós mesmos?
Precisamos muito desse lugar só para nós, o lugar do autodescobrimento. 
Não sendo assim, a vida perde o sentido.
Pensemos nisso! 
Redação do Momento Espírita, com base na obra A alma perdida, de Olga Tokarczuk, ed. Todavia. 
Em 07.05.2024

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