sábado, 5 de abril de 2025

O MENINOZINHO NAS SUAS PALHAS

A cidade deseja ser diferente, escapar às suas fatalidades. 
Enche-se de brilhos e cores; sinos que não tocam, balões que não sobem, anjos e santos que não se movem, estrelas que jamais estiveram no céu. 
As lojas querem ser diferentes, fugir à realidade do ano inteiro: enfeitam-se com fitas e flores, neve de algodão de vidro, fios de ouro e prata, cetins, luzes, todas as coisas que possam representar beleza e excelência. 
Tudo isso para celebrar um meninozinho envolto em pobres panos, deitado numas palhas, há cerca de dois mil anos, num abrigo de animais, em Belém. 
* * * 
Cecília Meirelles apresenta um cenário muito comum, ainda nos dias de hoje, na época de Natal. 
As ruas, o comércio, as pessoas, todos se enfeitam, sem saber muito bem o porquê – a bem da verdade. 
Se pararmos para pensar, pensar profundo, encontraremos poucas ligações reais entre toda essa balbúrdia, todos os badulaques e ornamentações, e o meninozinho envolto em pobres panos e palhas – como lembra a escritora. 
Será que paramos para pensar, refletir, sobre o significado desse nascimento? 
É apenas um fato histórico que celebramos? 
Pois se for apenas isso, nem mesmo estamos fazendo direito, uma vez que a data é apenas uma convenção. 
Estudos mais elaborados mostram outras datas bem mais prováveis para a chegada do menino à Terra. 
Não... Não pode ser apenas isso. 
O nascimento dEle é algo muito maior. 
É um marco para a Humanidade. 
Não por dividir o tempo, mas por ser o início da era do amor na face da Terra. 
Antes dEle, não compreendíamos o amor, e Ele nô-lo mostrou de uma forma inesquecível. 
Não... Todos esses brilhos externos, essas suntuosidades estranhas não representam o meninozinho em suas palhas. 
Os panos, a palha significavam o recolhimento e a simplicidade – esses os verdadeiros símbolos do Natal. 
Recolhimento – a viagem para dentro de si, para dentro de suas virtudes e imperfeições, conhecendo o que se precisa burilar e conquistar. 
O recolhimento da paz, da tranquilidade perante os obstáculos, da confiança em Deus. 
Simplicidade – despir-se das complicações, dos excessos, dos supérfluos que escravizam. 
Despir-se do orgulho e do egoísmo, que tanto alarde fazem em nosso coração, sufocando nossa verdadeira voz e encobrindo nosso real brilho – brilho de deuses. 
Sim... O recolhimento e a simplicidade são os verdadeiros símbolos do Natal, como tão bem percebeu nossa poetisa: 
São as cestinhas forradas de seda, as caixas transparentes, os estojos, os papéis de embrulho com desenhos inesperados, os barbantes, atilhos, fitas, o que na verdade oferecemos aos parentes e amigos.
Pagamos por essa graça delicada da ilusão. 
E logo tudo se esvai, por entre sorrisos e alegrias. 
Durável — apenas o meninozinho nas Suas palhas, a olhar para este mundo. 
Redação do Momento Espírita, com base em capítulo do livro Quatro vozes, de Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meirelles, Manuel Bandeira e Raquel de Queiroz, ed. Record. 
Em 20.12.2012.

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