segunda-feira, 7 de agosto de 2017

BRINQUEDO DE ESCONDER

Amálio Benicacio, o Lulu Benencase
Num caderno antigo, uma criança escreveu: 
-Mãe, como eu gosto de você. E que saudade tenho de você. Pareço me ver, pequeno, ensaiando os passos. Um pé aqui, outro ali. Balançava e caía. Bastava fazer beicinho para chorar e sentia os seus braços me erguendo, me abraçando e dizendo: “Não foi nada. Continue andando.” Lembro das tantas brincadeiras que fazíamos juntos. Eu correndo e você fingindo que corria para me alcançar. De repente, me agarrava e suspendia em seus braços. Eu me sentia como alguém que estivesse no topo do mundo, mais alto do que os demais. Olhando tudo de cima. Mas, o brinquedo que eu mais gostava era o de esconde-esconde. Eu me escondia atrás da cortina e você demorava para me encontrar, andando de um para o outro lado, perguntando: “Onde estará aquele menino?!” E eu ficava ali, achando muita graça. Nem me dava conta de que os meus pés me denunciavam de longe onde me escondia. Quando era você que se escondia, eu procurava naqueles mesmos esconderijos que eu conhecia. Às vezes, demorava um pouco para encontrar você. Eu ficava triste. Pensava: “Mamãe foi embora.” Nessa hora, você aparecia, saindo detrás da porta entreaberta ou do sofá da sala, sorrindo. E tudo ficava bem. Eu era uma criança feliz. Muito feliz. Até o dia em que você inventou uma brincadeira diferente. Você ficou quieta, muda, não falava. Muita gente veio em casa. Mexeram com você, falaram. Mas você continuou firme. Não se mexeu, não falou. Pensei: “Acho que mamãe está brincando de estátua. E que estátua verdadeira ela está imitando.” Depois, vieram outras pessoas e colocaram você em um carro feio, preto, que eles tentaram enfeitar com flores. Continuou feio. Alguém me disse: “Não fique triste. Sua mãe foi se esconder.” Então fui procurar e procurar. Tentei descobrir onde o carro levara você. Andei muito e fui olhando atrás de cada árvore, de cada arbusto. Nada. Deixei-me ficar na estrada, sentado. E chorei. Você nunca mais apareceu. Fiquei com muita raiva daquele jogo de estátua e da brincadeira de esconde-esconde. Ainda espero que você volte, minha mãe, para eu poder sorrir outra vez. Onde você está, mamãe? 
 * * * 
Quanta dor na escrita de um menino a quem não foi explicado o fenômeno da morte. A morte, dolorosa sim, por se constituir o desaparecimento físico da pessoa amada, deveria ser matéria a ser lecionada, desde a mais tenra idade. Isso porque não há nada mais certo na vida. Quem nasce, morre, mais cedo ou mais tarde. Por vezes, no intuito de não querer traumatizar os pequenos, os enganamos, dizendo que a pessoa viajou, que foi passear. Isso os deixa na ansiedade da espera. Uma espera interminável. Quão melhor seria que lhes ensinássemos a respeito da vida que nunca morre. Que lhes disséssemos que quando morre alguém querido, ele continua conosco, em nosso coração. Que poderão falar com ele, lhe endereçar as suas preces, lhe dizer do que sentem e como sentem. Com certeza, tudo seria mais suave e, na sequência dos anos, a morte perderia seus dolorosos véus negros de mistério. Pensemos nisso. 
Redação do Momento Espírita, inspirado no artigo Brinquedo de escondê, de Lulu Benencase, do Boletim Informativo FAEP, nº 1388. Em 7.8.2017.

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