Tatiana, 33 anos, dona de casa. João Vitor, 4 anos, um menino sorridente criado pela avó.
Ela estava muito acima do peso, com 103 quilos.
Ele foi diagnosticado com câncer de fígado, poderia morrer a qualquer momento.
Os dois não se conheciam, mas o destino fez com que construíssem uma bela história. Uma lição de vida emocionante, que o Fantástico acompanhou desde o início, há cinco meses.
João tem 4 anos e tudo que aprendeu até hoje foi em casa, com a avó.
Fantástico: Onde você quer ir?
João: Para escola.
Dona Maria sempre fez o papel de mãe. Para ela, o menino é mais que um filho. “Ah, minha vida. Minha vida é este aqui, ó”, diz ela ao mostrar o neto.
Uma das primeiras palavras que João aprendeu a pronunciar foi: “Forte”, ele conta.
Forte, o menino precisou ser forte muito cedo. “É um guerreiro, por tudo que passou e ainda está vivo até agora.”, define a avó.
João tinha 2 anos quando a família descobriu a doença: um tumor no fígado.
“Eu caí dura na cadeira, eu acordei com um senhor me dando um copo d’água. Eu penso que se acontecer alguma coisa com ele eu não vou aguentar”, lembra Dona Maria.
A mãe do menino, Juliana Aparecida dos Santos, que vivia longe, voltou para ajudar a cuidar do filho. “Ele veio, eu acho que, na minha vida para me ensinar as coisas”, ela diz.
Fantástico acompanha luta desde abril
Começava ali uma rotina de hospitais, exames e quimioterapia. Uma luta que o Fantástico acompanha desde abril.
“Ele pesava 14 quilos quando descobriram a doença dele. Ele foi para 7 quilos. Perdeu metade”, conta a avó.
“A localização, o local do fígado, o cirurgião não consegue tirar completamente.”, explica Juliana Dacorégio, oncologista.
A única chance de salvar a vida de João era um transplante de fígado.
“Ele pode morrer de uma hora para outra. Ele pode estar brincando ali e morrer. É urgente”, diz a avó.
Em busca de uma doadora
A primeira alternativa foi procurar um doador entre os parentes. A única pessoa da família compatível para doar o fígado era uma tia de João, mas ela descobriu que estava grávida e não pôde fazer a cirurgia. A esperança de encontrar um doador estava quase perdida. Desesperada, a avó do menino foi a uma igreja pedir oração para o neto. Foi lá que Tatiana e João se encontraram pela primeira vez.
Tatiana sentiu compaixão: “Vontade de pegar no colo, de dizer para ele que tudo iria ficar bem. Aquele sentimento de misericórdia, de se colocar no lugar do outro. De imaginar esta correria de hospital, de agulhas, dores, períodos longos fora de casa. E pensei: ‘se eu puder fazer alguma coisa, eu vou fazer. Se eu puder de alguma forma tentar mudar o curso da história da vida dele eu vou tentar fazer’”, conta ela.
Naquele momento, ela tomou uma decisão que também mudaria a sua vida: doar parte do próprio fígado. “Foi amor”, ela define.
Amor por alguém que ela não conhecia, que estava encontrando pela primeira vez.
Doadora teria que perder um terço do próprio peso
O destino colaborou: Tatiana fez os exames e, por uma incrível coincidência, descobriu que era compatível. Só tinha um problema: “Na minha condição de obesidade que eu estava, eu não posso doar nem sangue, porque não é saudável”, diz.
Na época, ela pesava 103 quilos. Os médicos disseram que Tatiana teria que perder um terço do próprio peso. E mais: ela teria que emagrecer com saúde.
“Eu sempre lutei contra o peso. Até na minha adolescência, juventude, eu e minha irmã a gente sempre fazia umas dietas meio malucas, meio doidas. Uma semana tinha sucesso, depois já não tinha mais. Dessa vez tem algo diferente, um propósito que me move. Nesta situação do João e ainda mais com o tempo muito menor, eu não posso abrir mão. Não posso me dar ao direito de comer um bombonzinho hoje, porque eu vou ter que recuperar isso amanhã e amanhã talvez não vá dar mais tempo”, explica Tatiana.
Com uma força de vontade fantástica, Tatiana conseguiu perder 17 quilos em 4 meses.
O marido e o filho também entraram na linha. “Mudando a alimentação, cortando refrigerantes, pão, já foram também cinco quilos.”, ele diz.
Pedro, o único filho de Tatiana, tem a mesma idade de João. Assim como a mãe, ele também quis ajudar. “Eu queria ficar igual ele, cortado”, conta sobre a época em que João Vitor teve que cortar o cabelo.
“No dia que a gente raspou, ele queria que eu varresse o cabelo, colocasse em uma caixinha, porque ele ia passar cola na cabeça do João para colar o cabelo”, conta Tatiana.
Vizinhos e amigos iniciam corrente de solidariedade
Quando a Tatiana decidiu doar o fígado, a notícia logo se espalhou pela cidade. Vizinhos, amigos, e até gente que nem conhecia a família dela resolveu ajudar. Começava aí uma grande corrente de solidariedade.
O professor Lene, por exemplo, abriu as portas de uma academia. “Eu fiquei bem comovido pela história também e não custa nada ajudar”,
Tatiana também ganhou uma orientação nutricional e ajustou a dieta. “Me tornei fã dela e acho que, se todo profissional doasse 5% do conhecimento que Deus permitiu a ele adquirir, a gente viveria em um mundo muito melhor”, avalia o profissional de educação física especializado em nutrição Carlos Santiago.
“Quando você tem um pequeno gesto para fazer o bem para alguém, isso é contagiante”, afirma Tatiana.
A Katy, professora de dança, foi outra pessoa que quando conheceu a história da Tatiana resolveu ajudar. “Se eu sou mãe e não posso ajudar meu filho, imagine encontrar uma pessoa tão abençoada quanto ela que pode ajudar meu filho”, diz a professora de dança Kathy Nogueira.
Muita aeróbica, musculação. Tanta solidariedade acelerou o resultado na balança. “O esforço que eu tenho feito tem sido muito intenso: na academia, duas horas e, em casa, mais uma”, ela conta.
A motivação de Tatiana para tanto esforço é enorme: “Não posso desistir, não posso parar”, diz Tatiana.
“Ele depende do meu esforço, do meu cansaço, da minha superação, da minha força. Eu não posso desistir. Ele depende hoje de mim.”, revela.
Medicação para o tumor afeta imunidade de João
O tempo corre contra Tatiana e João Vitor. Enquanto espera pelo transplante, ele não pode parar a quimioterapia. O problema é que a medicação para o tumor afeta a imunidade, reduz as defesas naturais do corpo e, muitas vezes, ele fica frágil. O menino sofre com febre alta e infecções constantes.
“Gera a maior aflição para a gente, porque a gente está na corrida para ficar tudo bem. E a cada internação, nos deixa esse ponto de interrogação. A gente fica: será que está tudo bem? Será que a gente pode continuar?’”, diz Tatiana.
João piora e isso atinge Tatiana em cheio. “Às vezes, é um pouco difícil. Tem dia que ele está bem, de repente, de uma hora para outra, ele começa a amarelar os olhinhos, sentir dor na barriga. Aí é muito difícil”, ela diz.
Além do peso, ela precisa superar a ansiedade. O Fantástico acompanhou cinco meses desse esforço gigante.
João segue o tratamento em Florianópolis. Mas é acompanhado por outra equipe de médicos que quer reavaliar o menino.
João foi pela décima vez para São Paulo, fazer exames acompanhado pela avó. “A expectativa de chegar lá e ir para o transplante. Estou confiante de chegar lá agora e ir para o transplante”, diz a avó do menino.
Mas Tatiana está pronta para doar o fígado? Ela conseguiu perder peso de novo. E vai animada para mais uma avaliação médica.
“Perder peso significa ter menos riscos de complicações no pós-operatório.”, explica João Seda, cirurgião pediátrico.
23 quilos perdidos
A Tatiana está fazendo exercício físico e cuidando da alimentação desde dezembro. Já perdeu 23 quilos. É o suficiente ou falta alguma coisa ainda? “Falta, mas falta bem menos do que a gente imaginou. Imaginei ainda mais uns 8 ou 10 quilos, mas agora faltam 3 ou 4 quilos”, ela conta
Justamente agora que Tatiana está a um passo de atingir o peso ideal chega a notícia: “Agravou a situação dele ontem. Eu nem sei dizer o que é. Ele está muito amarelo”, relata a avó.
O tumor cresceu e o fígado não consegue mais eliminar a bile. Por isso, João está tão amarelo. Depois de 23 dias em São Paulo, já não há mais o que fazer lá.
“Neste momento, a gente já está preparando a família para o pior”, diz a médica. “Eu não perco a esperança do milagre dele, de acontecer tudo. A minha fé ali continua. Não vou desistir”, avisa a avó.
Médicos não dão esperanças
Desde que voltou de São Paulo, João passou mais tempo no hospital do que na casa dele. Os médicos decidiram fazer um tipo de quimioterapia mais agressiva, mais forte, na tentativa de reduzir o tamanho do tumor. Pela primeira vez, o menino precisou usar morfina porque começou a sentir dores muito fortes.
“Ele chegou a ficar três dias na cama porque a gente achava que ele não levantava mais. Bem dizer morto”, conta a avó.
“Os médicos não deram mais esperança nenhuma para a gente. E, cada vez, desanimando mais. Ele já estava se entregando também”, lembra a mãe do menino.
Reação de João surpreende médicos
Mas, na quarta semana de tratamento intensivo, João finalmente reage e surpreende até os médicos. “Nem a médica acreditou, tanto que ela repetiu os exames no dia seguinte e mostra que o tumor do João diminuiu significativamente”, conta Tatiana.
“O tumor diminuiu mais ou menos em 30%. Então, agora, nós temos uma esperança de as coisas possam dar certo no final.”, conta a médica.
“Ele está sendo um guerreiro porque ele cai e levanta. Daí ele me dá força para levantar também”, diz a avó.
27 quilos perdidos
João também dá força para Tatiana que enfrenta mais uma vez a balança: “76,1 quilos. Ela merece gente, chegou no peso, atingiu”, comemora a avó.
A Tatiana conheceu o João em janeiro deste ano, na época ela tinha 103 quilos. Ao longo destes oito meses, a Tatiana perdeu nada mais nada menos que 27 quilos.
Depois de um ano e sete meses de quimioterapia, João também está pronto, é agora ou nunca: “Meu coração de vó diz que ele vai vencer. Nós vamos chegar no final agora”, afirma a avó.
Tensão e dúvida antes da cirurgia
Minutos antes da cirurgia, a tensão era enorme. Os médicos ainda não sabiam se seria possível fazer o transplante.
“Existe uma complicação no caso do João. As veias do abdômen dele que nutrem o fígado, a veia aporta, estava entupida”, explica Paulo Chapchap, cirurgião de transplante de fígado.
A solução para irrigar o novo fígado foi puxar uma veia que sai do rim. Um procedimento arriscado e, segundo os médicos, inédito em crianças no Brasil.
Foram quase 11 horas de cirurgia. Três dias depois, chega o momento do reencontro tão esperado.
Recuperação de um novo filho
“Para minha surpresa, quando eu entrei no quarto, ele estava melhor do que eu. Eu não conseguia me abaixar para dar um beijinho nele, porque eu estava muito dolorida ali naquele momento. Mas a vontade era de pegar no colo. Eu dei um pedacinho do meu fígado. E ganhei um filho inteiro. Porque o João, para mim hoje, representa um filho. Porque filho é um pedacinho da gente do lado de fora”.
João está bem. O caminho da recuperação ainda vai ser longo. Mas, como diz a Dona Maria, ele é um grande guerreiro.
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